Quando você se sentir esquecido, obsoleto, ultrapassado, que já não surge mais convites, que o teu tempo se foi, que só lhe resta viver de lembranças, pense no cinzeiro. Ninguém sofreu mais do que ele nos últimos anos. De centro de mesa, presença imprescindível na sala, agora está no fundo de um armário de onde só sairá para o lixo. Ele, que era símbolo de prazer, agora lembra doença e fraqueza de caráter. Afinal, se alguém fuma, é porque ainda não parou.
Carros vinham com cinzeiro. Ônibus e aviões traziam cinzeiros com tampa acoplados ao braço da poltrona. Nos hospitais era possível encontrar cinzeiros. Havia cinzeiro portátil dobrável, para levar consigo, para a emergência de fumar em um lugar descinzeirado.
A peça que mais me encantava era um cinzeiro mecanizado. Empurrando para baixo um pino acima do centro, ele abria a superfície do convés e engolia as cinzas e as bitucas para seu porão. Dava uma ideia de autolimpante, mas seu interior guardava um aroma de incêndio com toques de esgoto e notas de enxofre.
Os cinzeiros ganhavam seu destino ao acaso. O monogâmico recebia cinzas de um fumante, portanto uma só marca de cigarro. Eles tinham uma vida longa, mas demasiado pacata. Triste era o destino do cinzeiro de não fumantes, tinham os pulmões limpos, viviam da esperança de visitas ocasionais. O cinzeiro de sala de família era o meio termo, o equilíbrio de uma boa vida cinzeiral. Porém, o sonho de todo cinzeiro era trabalhar em um bar. Estes gabavam-se de conhecer dezenas de cigarros, entre nacionais e importados. Mas sabe como é viver entre quem bebe, espatifar-se no chão era o risco de sua vida louca.
Minhas memórias do universo tabagista são emprestadas, nunca fumei. Um dia, um amigo trouxe um cinzeiro roubado de um bar, para tê-lo disponível quando me visitasse. Ele privou um cinzeiro da vida de bar. Eu fui cúmplice por receptação e aposentadoria precoce do butim. Ainda tenho o cinzeiro preto, fosco, feito de baquelite. Ouço seu suspiro quando o vento traz pela janela aroma de tabaco, é tudo que lhe resta.
Não chore seu ostracismo, pense no cinzeiro que leva seu apagamento com elegância. Hoje ele nos lembra que todo reinado é provisório e vira cinza.