Realizaram-se vários plebiscitos junto com a eleição presidencial americana. Consultaram a população sobre inúmeras coisas, uma delas era a descriminalização da Cannabis. O resultado é que o mapa americano, que aponta onde é possível consumir maconha legalmente, segue crescendo. Um em cada três americanos vive em um lugar onde se pode fumar recreativamente quando adulto. E a maioria dos 50 Estados aprovou o uso medicinal da Cannabis.
Isso aponta para uma nova forma de lidar com o problema da toxicomania. O país que inventou a guerra às drogas recua para outras abordagens. Até porque essa guerra foi e é um fracasso.
O drama é que nessas questões o bom senso tira férias. Todo assunto que envolve um gozo, um prazer, vira tabu. Como nós, humanos, dividimo-nos segundo as formas de obtenção de gozo, saímos em defesa dos nossos prazeres e somos contra os outros. Infelizmente é assim: diga como gozas e te direi se te aceito.
Vale para as drogas o que vale para a sexualidade. A psicanálise sempre foi mal recebida por dizer esta obviedade: o centro do sujeito não está onde ele raciocina, mas na forma como ele obtém prazer. A partir disso, cada um cria o edifício conceitual para justificar racionalmente suas formas de amar e gozar, iludindo-se do triunfo do cérebro sobre a carne.
Em resumo: o cerne do sujeito não está onde ele pensa, mas onde goza. Lá gira o eixo da personalidade. Desde ali ele deseja e age, por isso às vezes fazemos escolhas irracionais. Por isso é tão difícil sair de um vício, ele se instala no coração do ser.
A contraparte também vale: quanto mais frígido um sujeito é, no sentido amplo da obtenção de fruição da vida, mas vai ser fiscal do gozo alheio. Nosso drama coletivo, o grande temor e a grande fantasia, é que outros gozem mais do que nós, especialmente "esses vagabundos". Afinal, a maconha está associada, miticamente diga-se, a uma vida que seria mais contemplativa. Seria um pessoal que não gosta de pegar no pesado.
Portanto, basta pronunciar a palavra maconha, que saltam mil pessoas que nunca estudaram a questão, não trabalham com gente em recuperação, e que saberiam tudo sobre os malefícios e perigos da maconha. Sinceramente, acho que a maioria desses críticos são apenas censores moralistas. Fazem contraponto a um modo de vida. Imaginam um barato maravilhoso que a Cannabis traria e que eles estariam de fora.
Quem acompanha o que já escrevi sobre a maconha sabe das minhas preocupações com seu uso na adolescência, sobre como ela compromete seriamente funções cognitivas e ativa ideias paranoicas. Mas o que ressalto hoje é o comprometimento das funções cognitivas em muitos que não fumam e ficam paranoicos com quem a usa.