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Temos um sistema bancário mais moderno que muito país do Primeiro Mundo, nos orgulhamos do Pix e da fiscalização do Banco Central, e agora mergulhamos na era da inteligência artificial, mas nada disso resolve um tormento na vida do brasileiros. Os golpes digitais só são possíveis porque há algo de muito errado com a abertura e manutenção de contas bancárias no Brasil.
Até 2019, para abrir conta em banco, o candidato devia apresentar no mínimo documento de identificação, dados pessoais e comprovante de endereço e, algumas vezes, de renda. Em setembro de 2019, o Conselho Monetário Nacional publicou a Resolução 4.753 e flexibilizou os requisitos. Desde lá, os bancos podem, de acordo com o perfil do cliente, estabelecer suas próprias exigências. A ideia podia ser bem intencionada — adaptar o sistema para o mundo digital. Mas a prática se revelou um território fértil para vigaristas, que usam a torto e a direito dados falsos ou roubados para abrir contas fantasmas que receberão os produtos de estelionatos ou desvios digitais.
Em tese, não poderiam existir contas em nome de laranjas no Brasil. Aliás, conta anônima nem mais na Suíça, exatamente porque se prestam a lavagem financeira. Então, como é possível que alguém mantenha por aqui uma conta falsa ou em nome de terceiros? O Brasil tem cerca de 170 bancos. Se alguns deles não são capazes de rastrear os verdadeiros donos de contas, o modelo de abertura foi obviamente ultrapassado e apropriado pela tecnologia do crime. Na era da inteligência artificial, quando os estelionatários disparam milhões de ligações diárias para os incautos, seguimos à mercê de uma legislação frouxa e que, com apenas cinco anos, envelheceu precocemente.
Ter acesso ao sistema bancário é uma forma de cidadania e, no Brasil, milhões de cidadãos honestos seguem destituídos desse direito básico porque não cumprem todas as exigências bancárias. Mas essa incapacidade não justifica que outros milhares de brasileiros, sobretudo os menos letrados e mais idosos, sejam diariamente ludibriados por vigaristas que, no fundo, também enganam os bancos e comprometem sua credibilidade.
Reconheça-se que os chamados scams são uma praga mundial e louve-se o esforço de conscientizar os correntistas, ajudando-os a identificar possíveis fraudes. Mas é preciso exterminar o problema na origem. Se e quando forem eliminadas as contas fantasmas, os golpistas é que sofrerão um golpe. As polícias e a Receita atuarão com mais agilidade e poderão seguir sem dificuldades a trilha do dinheiro para fazer a festa contra vigaristas. Com o crime organizado arrombando a porta, o que ainda estamos esperando?