
A esta altura, já nem importa tanto o turbilhão nos mercados, com trilhões de dólares atirados de um lado para o outro pela ação desvairada de Donald Trump. No futuro, o que se lembrará destes dias é a perda de confiança nos EUA como aliado e parceiro comercial, e o redesenho do mapa geopolítico pelo futuro a perder de vista. De relance, a guerra tarifária de Trump poderia ser apenas o desatino momentâneo de um jogador de pôquer das finanças, mas ela vai bem além.
Depois de passar a rasteira militar na Europa, a puxada de tapete comercial obriga todas as nações a olharem para o lado e estabelecerem novos vínculos baseados em alguma coisa parecida com estabilidade e razoabilidade. E quem acabou ficando no papel de mocinho nesta queda de braço? Ela mesma, a China, que se apresenta como o porto seguro da sensatez. Parabéns, Trump, você conseguirá empurrar nações outrora hesitantes para os longos braços de seu maior adversário.
Definir Trump como um troglodita nos negócios é pouco. Pretender isolar os EUA em uma muralha comercial, e no estilo show de calouros com que foi apresentada, é um caso de patologia diplomática e de amadorismo econômico, quando não de insanidade mental. E Trump só pediu água porque ia encalacrar o mundo em um inverno nuclear econômico, como alertou um de seus bilionários doadores, apavorado com as trapalhadas de sua criatura.
Quando investidores começaram a se livrar dos bônus do tesouro dos EUA de 10 anos, tido até a semana passada como o investimento mais seguro da Terra, o chão tremeu. No fim, o errático presidente dos EUA só comprovou que sua palavra não vale nada e revestiu a maior potência do planeta em um manto de ridículo, rancor e desconfianças. Para qualquer um que acredite nos valores da civilização moderna, como democracia, liberdade econômica e respeito a fronteiras, isso é preocupante.
O incêndio produzido pelo Nero da Casa Branca não se apagará tão cedo porque simplesmente não há como, nem razão para, se equilibrar a balança entre todos os países que fazem comércio com os EUA. Sobre inevitáveis diferenças comerciais, aliás, o economista Robert Solow foi mordaz em uma palestra há alguns anos: “Eu tenho um déficit crônico com meu barbeiro, que não me compra coisa nenhuma”. Ou seja, quase nunca essa é uma relação de soma zero.
Como o mundo não vai parar por causa das doideiras de Trump, devem se acelerar os novos blocos econômicos e os acordos bilaterais, com os EUA ao largo e a China fortalecida no longo prazo. Preparemo-nos. Apenas um exemplo: alguém supõe alguma reação de repúdio de um mundo cada vez mais dependente da China se e quando ocorrer a invasão de Taiwan? Donald Trump já deixou sua assinatura na história, e ela é ainda mais desastrosa do que jamais se poderia imaginar.