Você já se deu conta de quanto mais canais de TV passamos a ter, menos assistimos a um programa inteiro? Quanto mais opções no streaming, menos passamos dos 15 minutos iniciais de um filme? E quanto mais vídeos do YouTube acessamos, mais usamos aquele recurso de pular 10 segundos, pular 10 segundos, pular 10 segundos?
Coisa estranha, não? Quanto mais conteúdo à nossa disposição, menos nos concentramos e nos aprofundamos. Ou seja, temos cada vez mais informação e conhecimento na ponta dos dedos, mas acabamos sabendo cada vez menos sobre coisa nenhuma. É o espírito do nosso tempo, o Zeitgeist da abundância superficial – seja na hora de absorver conteúdos, escolher candidatos ou fazer uma compra online só porque pipoca uma oferta diante dos olhos.
Aonde essa tendência vai nos levar eu não sei, até porque, querendo ou não, vou de roldão – embora tente resistir bravamente às seduções dos videozinhos rápidos criados exatamente para explorar o máximo de atenção que dedicamos a algo hoje. São 15 segundos para passar o recado ou nada. Triste e assustador, mas é assim que o mundo passou a se mover.
Para minha geração, cujos felizardos como eu puderam contar na infância com uma Barsa ou a coleção da Conhecer, resta uma sensação de vazio. Admiro de vez em quando, e ainda aproximo o nariz para aspirar o aroma inconfundível e eterno das páginas dos meus 18 volumes do Tesouro da Juventude. Foram devorados e felizmente bem manuseados há quase seis décadas. Onde foi parar aquele conhecimento que dava base na vida futura de crianças e adolescentes? Tem uns documentários interessantes na internet, admito. Mas e a concentração da leitura? Quem lê só lê. Não fica usando outra tela e se distraindo em momentos de baixa intensidade.
Como não nos concentramos mais, podemos estar perdendo de vista os novos luminares
Também por isso admiro meu amigo Daniel Scola, que lê muito e sempre dá ótimas dicas de leitura. Invejo sobretudo sua capacidade de se desligar do digital para se conectar com um livro, e só o livro. Mas eu precisaria de três vidas para dar conta dos exemplares que já comprei nessa, quanto mais pelo que eu fico babando em livrarias. Preciso aprender com ele como não cair nas tentações digitais, até porque, convenhamos, desconheço que já tenha surgido um influencer predestinado a ganhar um Prêmio Nobel.
Como não nos concentramos mais, podemos estar perdendo de vista os novos luminares. Só para ficar na nossa aldeia, onde estão os novos Ericos Verissimos, Moacyres Scliars, Marios Quintanas e Davids Coimbras? Talvez eles estejam entre nós, quem sabe? Só que estamos muitos ocupados saltando os vídeos de 10 em 10 segundos.