Em meio à posse nos EUA, uma ordem quase despercebida de Lula a seus ministros na reunião de segunda-feira passada revelou que o governo sofre de um vírus que acomete organizações nas quais a desconfiança é regra geral. Ressabiado pela norma da Receita que — corretamente, aliás — reforçava o monitoramento sobre movimentações via Pix acima de R$ 5 mil mensais, Lula determinou: “Daqui pra frente, nenhum ministro vai poder fazer uma portaria que depois crie confusão para nós sem que passe pela Presidência através da Casa Civil”.
Na prática, Lula proibiu que seus ministros tenham iniciativa. Como qualquer decisão pode dar xabu no campo de batalha das redes, ninguém que tenha apreço pelo próprio pescoço se mexerá sem a anuência prévia do Planalto. O governo ficará ainda mais lento, burocrático e amarrado.
Quando uma organização, seja governo ou empresas, decreta a centralização de atos corriqueiros, ela expõe uma série de anomalias. Primeiro, evidencia que o chefe não confia nos subordinados. No caso do Lula III, nenhuma surpresa. É provável que nem Lula tenha conseguido decorar os nomes de seus 39 ministros, com alguns dos quais, provavelmente, só troque ideias na festa de Natal do Planalto. Não há organização funcional em que um chefe contabilize 39 subordinados diretos, ainda mais quando são tão díspares e representam tantos interesses divergentes. Num sistema assim, cuja única direção estratégica é Lula vencer a eleição de 2026, cada um age pela sua cabeça e, na dúvida, ninguém faz nada.
A centralização também é um sintoma da inexperiência de equipes, da ausência de objetivos e conceitos claros ou ainda de sua compreensão pela turma do “sim, senhor”. Causas e conceitos cristalinos ganham até guerras contra inimigos mais fortes. No Vietnã, guerrilheiros mal-equipados enfiados na floresta e em túneis derrotaram a vasta máquina bélica dos EUA porque se organizavam em células com autonomia para agir de acordo com conceitos bem assimilados. Enquanto isso, não raro um oficial americano tinha de percorrer toda a cadeia de comando, às vezes até o Pentágono, e esperar uma resposta sobre o que fazer. O resultado foi o maior fiasco militar da história dos EUA.
A bateção de cabeça no Planalto só piorou quando Lula revogou a normativa da Receita. Qual mensagem equivocada, além da bagunça na gestão, Lula acabou transmitindo? Alô, fraudadores, corruptos e criminosos em geral: suas movimentações via Pix não serão atrapalhadas pela Receita. É de se perguntar também por que tantos políticos não querem mais transparência bancária. Felizmente, porém, há outros instrumentos do Fisco para, se for o caso, flagrar movimentações suspeitas. Que assim seja.