Por princípio civilizatório, prisioneiros sob tutela de governos devem ter tratamento digno. Mas toda a celeuma sobre as algemas nos deportados dos EUA inexistiria se nossos governantes não convivessem placidamente com uma situação muito mais indigna: o contrabando de brasileiros que se submetem a toda sorte de privações para ingressar e permanecer ilegalmente nos EUA.
É bonito quando o ministro da Justiça, Ricardo Lewandowski, discursa sobre o desrespeito aos “direitos fundamentais” dos algemados. Mas quanto este e qualquer outro governo que o antecedeu gastaram de energia para entender por que 4,5 milhões de brasileiros vivem no Exterior? Mais relevante ainda: o que fazem para reverter o êxodo de brasileiros, dos quais 1,9 milhão (220 mil ilegais) se concentram nos EUA?
Vai uma dica a autoridades zelosas pelo bem-estar de prisioneiros no Exterior. Façam com que, em vez de arriscarem suas economias, a liberdade e a vida em travessias no deserto, estes cidadãos possam sonhar um sonho brasileiro, e não o sonho americano. Primeiro, seria preciso compreender e adotar alguns conceitos básicos que favorecem a prosperidade em terras do Norte. O mais evidente deles é a crença dogmática na educação, no trabalho e na liberdade como fatores de mobilidade social.
EUA e Brasil são países criados pelo amálgama de imigrantes. De outro lado, também guardam tristes semelhanças, como a escravidão e o massacre de indígenas. Mas há uma diferença fundamental em suas ondas de colonização. As famílias que aportavam nos EUA construíam uma comunidade em torno da igrejinha, que servia também de escola. A vida era de trabalho, fé e estudos. Por aqui, os colonizadores, boa parte servidores públicos de passagem, se esforçavam em extrair deste solo gentil o máximo no menor tempo possível.
Nascia assim a cultura extrativista que perdura até hoje nas castas de servidores e num capitalismo de compadrios, no qual o Estado se intromete em tudo, cobra os tubos em impostos e entrega quase nada. Não surpreendem as levas de desesperados e as histórias de prosperidade em terras onde não é crime ou vergonha ganhar dinheiro honesto, sem que se seja esbulhado pelo governo ou por amarras regulatórias do tempo do onça.
Há outro fator determinante para que 16,6% dos brasileiros que viajaram ao Exterior em 2024 não tenham regressado: a qualidade de vida, resumida por se voltar a pé para casa à noite sem medo de ser assaltado ou morto. Podemos até fazer tudo certo na educação e na economia, mas enquanto os governos não assimilarem que sua obrigação número 1 é manter seus cidadãos seguros e vivos, o presidente e seus ministros seguirão em belos discursos nacionalistas diante de compatriotas algemados porque não conseguiram sonhar seu sonho no próprio país.