Dez dias depois, alguém se lembra de algo na posse do prefeito de Porto Alegre, Sebastião Melo, além da sua controversa defesa da liberdade de defender ditaduras? Pois Melo, que tem uma veia de comunicador popular, parece não ter se dado conta de que, no mundo de hoje, ninguém mais presta atenção ao conjunto do discurso — mas apenas a frases curtas, extratos fugazes e, preferencialmente, polêmicos.
Quem fizer uma busca sobre o discurso de Melo vai encontrar tão somente dezenas de menções a sua fala sobre ditaduras — de direita e de esquerda, ressalve-se. Quem não acompanhou a cerimônia ao vivo penou para conhecer a íntegra do discurso na Câmara de Vereadores. Ali, ele falou por 23 minutos, manifestou respeito a diferenças e defendeu a reforma da previdência municipal e a retomada do otimismo em Porto Alegre. Mas tudo que ele conseguiu com seu inútil improviso sobre ditaduras foi ofuscar os temas que, de fato, afetam o futuro dos moradores da cidade.
Lula acha que resolverá o problema de comunicação de seu governo falando mais. Aí é que mora o perigo
Com ou sem checagem de fatos no Facebook e no Instagram, políticos veteranos são hoje vítimas de hábitos passados, quando as redes ainda não selecionavam frases — os tais cortes — para amplificar trapalhadas verbais. Em eras pregressas, Lula, como hoje, cometia incontáveis gafes em suas gambiarras verbais, mas pouco se dava atenção. Agora, Lula acha que resolverá o problema de comunicação de seu governo falando mais. Aí é que mora o perigo. Quanto mais fala de improviso, mais ele cai na armadilha dos extratos. Fosse apenas pelo dano a suas imagens, como nos memes de Dilma Rousseff, o problema seria dos políticos. Mas quando Lula larga que o único problema do país é a taxa de juros, só fica registrado seu negacionismo quanto à trajetória insustentável da dívida pública. O dólar explode, a inflação se retroalimenta, os juros futuros empinam e o povo paga a conta da asneira presidencial.
Lula pode se mirar em casa sobre como não se comunicar nos dias atuais. Janja atrapalhou o esforço de visibilidade do G20 no Brasil quando, num impulso adolescente, soltou um “Fuck you, Elon Musk”. No fim, foi essa frase que marcou o encontro. Faltou compreensão da liturgia do cargo, como diria José Sarney, mas falta também a muitos que se aventuram no improviso o autocontrole para não avançar o sinal, a menos que isso seja parte de uma tática política.
Jair Bolsonaro e, recentemente, Pablo Marçal são os que mais souberam tirar proveito de declarações escandalosas. No caso deles, era estratégia para sair do anonimato, mas essa é sempre uma jogada de risco: Bolsonaro exagerou tanto na dose que a verborragia espalhafatosa ajudou a queimar sua reeleição.