Certa vez, em viagem ao Japão, notei que o motorista do ônibus colocava um calço na roda dianteira sempre que o veículo estacionava, mesmo que não fosse em uma ladeira íngreme. Intrigado, perguntei por que fazia aquilo.
- É para o caso de falharem os freios motor e de mão.
Em um arquipélago abatido por terremotos e tsunamis, segurança é uma questão cultural e de educação, acima de tudo. Os japoneses aprendem desde a infância que acidentes são evitados com medidas práticas e que mesmo catástrofes podem ser aplacadas por prevenção, treinamento e cuidados com a vida alheia. É por isso, e não só por temer a punição, que o motorista aplica a terceira camada de segurança ao estacionar.
No Brasil, deve-se reconhecer que avançamos positivamente em alguns campos, como a segurança do trabalho e códigos legais que brecaram, por força da lei e da fiscalização, as legiões de mortos e mutilados. Mas ainda falhamos miseravelmente em criar uma mentalidade de segurança.
Há quase uma década, na esteira da tragédia da Kiss, a RBS e o Ministério Público Estadual lançaram a campanha Uma Vida Vale Muito, para despertar responsabilidades coletivas e individuais. O alerta segue mais necessário do que nunca. Incêndios originados em estufas, fogões e fios consomem casas e desgraçam famílias. Nas estradas, 25 anos depois do novo código de trânsito, o despreparo, o álcool, a falta de manutenção nos veículos e a irresponsabilidade legam os efeitos de uma guerra a cada ano.
A Kiss e seus 242 mortos jamais serão esquecidos. Mas, além de reverenciar as vítimas e buscar justiça, por que o Rio Grande do Sul não ajuda Santa Maria a se tornar um centro mundial de referência em combate a incêndios e prevenção de tragédias? Hiroshima hoje é um símbolo da paz. Santa Maria poderia vir a ser a primeira grande cidade do país a assumir uma obsessão com a responsabilidade e, assim, se tornar a capital da segurança no continente.
Há muito por fazer. Desde sempre, sabemos que a média diária de mortos por afogamento nos dias de calor no Estado passará de um por dia, o que leva a mais de uma centena de vidas ceifadas por ano, muitas delas de crianças e adolescentes em açudes e rios. A tragédia é ainda maior porque mortes por afogamento quase sempre são evitáveis. Os índices desabariam se todas as crianças tivessem no currículo aulas de natação – ainda que realizadas em piscinas emprestadas ou alugadas ou mesmo em lagoas, sempre em situações controladas por professores. Outras duas ações contra afogamentos exigem responsabilidade individual: não se expor ao risco no traiçoeiro mar gaúcho e enfiar na cabeça de adultos que não podem subir em canoas e nem embarcar alguém sem que esteja usando colete salva-vidas. Um colete simples mas eficaz custa R$ 49,99. É o preço de uma vida.