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Por 17 anos, os alunos de Medicina da Universidade Federal de Rio Grande do Sul (UFRGS) protestaram de forma irreverente nas formaturas. Durante o regime militar, em 1974, os formandos estavam descontentes com a precarização das condições do ensino, principalmente devido à reforma universitária. Em tempo de restrições à liberdade de expressão, a turma decidiu mexer no rito da cerimônia.
Os "rebeldes" não escolheram, entre seus professores, o paraninfo e os homenageados. O ato virou notícia nacional. Ninguém foi homenageado naquele ano. O protesto de 50 anos atrás inaugurou uma tradição, mantida até 1990 na Faculdade de Medicina (Famed).
A turma de 1975, por exemplo, escolheu como paraninfo o professor e ex-diretor Sarmento Leite, falecido 40 anos antes. Os homenageados foram Osvaldo Cruz, Vital Brasil, Carlos Chagas, Adolfo Lutz e Noel Nutel, todos já mortos.
Em outros anos, formandos escolheram, a título de paraninfo, o prédio da antiga sede da faculdade e instituições, como a Santa Casa e o Hospital de Clínicas de Porto Alegre.
Em 1979, inconformada com a sequência de protestos, a Famed suspendeu a formatura oficial. Os estudantes organizaram uma solenidade por conta própria na Assembleia Legislativa. O médico Gilberto Schwartsmann fez um discurso crítico e emocionado, todo escrito em versos.
Nos anos 1980, além de seguirem sem paraninfo, os formandos aboliram o uso da beca e introduziram diferentes elementos lúdicos nas solenidades. Em 1985, planejaram ignorar totalmente o protocolo e transformar a formatura em uma peça de teatro, encenando problemas vividos durante o curso. O plano só não se concretizou porque o estudante que começava a organizar os trabalhos, Júlio Conte, recebeu convite para apresentar no Rio de Janeiro sua peça Bailei na Curva, que virou um sucesso de público.
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Estas histórias são contadas no livro Beca, Canudo e Protesto: contestação e irreverência nas formaturas da Faculdade de Medicina da UFRGS de 1974 a 1990 (Editora Libretos), da jornalista Elisa Kopplin Ferraretto e do professor da Famed Elvino Barros. A publicação contou com o apoio cultural da Associação Médica do RS (Amrigs), Sindicato Médico do RS (Simers), Unicred Porto Alegre e Fundação Médica do RS (FundMed).
— Queremos preservar esta memória. É pouco conhecida hoje na faculdade, inclusive por professores e direção — explica Elisa.
O lançamento oficial ocorrerá na Feira do Livro de Porto Alegre, mas serão marcados outros eventos de lançamento antes.
A tradição, que começou como protesto, virou um ato mais lúdico com o tempo. No início da década de 1990, a maioria dos formandos optou pelo retorno das formaturas no formato padrão das faculdades.