Não sou um bom exemplo quanto à prática de atividade física cotidiana, mas, de tempos em tempos, me arrisco a praticar um esporte radical: ler comentários nas redes sociais. Não recomendo ao leitor que o faça com frequência. Ao contrário. Sugiro ir com calma, a fim de preservar a saúde mental.
Pois bem. Certo dia, indo de encontro às minhas convicções, fui conferir as menções em um post sobre Ainda Estou Aqui, produção que deu ao Brasil a façanha inédita de concorrer à maior categoria do Oscar, a de melhor filme; além das indicações a filme estrangeiro e melhor atriz.
O fim é o mesmo: expurgar o lado oposto
“Uma felicidade oceânica”, descreveu, em lágrimas, a atriz Vera Holtz.
Voltemos ao post. Um singelo comentário dizia: “Esse filme é cortina de fumaça para o caos que o país vive com preços nas alturas”. Outro: “O povo vai ter que comer filme, pois os alimentos estão caros”. Confesso que imaginei por alguns instantes os 10 mil votantes do Oscar, integrantes da Academy of Motion Picture Arts and Sciences, preocupados com o preço do feijão nas gôndolas de supermercados brasileiros, indignados com a alta do tomate, que faz par à cebola nas refeições tupiniquins. Francamente.
O fato é que parte da sociedade insiste em atribuir a este ou aquele campo ideológico qualquer que seja a circunstância. O fim é o mesmo: expurgar o lado oposto. Gostou de Ainda Estou Aqui? Vai pra Cuba! Torceu pelo Neymar na Seleção? Reacionário! Um reducionismo preguiçoso e infantil.
Aliás, vale para outros temas associados à esquerda e à direita. Sim, é possível ser progressista e chamar o atentado contra Israel, em outubro de 2023, pelo nome que tem: terrorismo. Como também é possível ser de direita e entender que educação sexual protege crianças e adolescentes de abusos. Precisamos superar essa ideia equivocada de “alinhamento automático”, como definiu meu colega Paulo Germano, que limita uma discussão ao cardápio definido por uma cartilha ideológica.
É possível (e precioso) refletir. Ir além de formulismos simplórios. Você pode gostar de tomate, de cebola e até mesmo não se entusiasmar com Ainda Estou Aqui. E isso não te fará direitista, esquerdista ou trapezista. Apenas alguém com capacidade de pensar.