O jornalista Carlos Redel colabora com a colunista Juliana Bublitz, titular deste espaço.
Adelaide indica o sofá, Virgínia se senta, encosta-se. Adelaide pega na poltrona um caderno, encapado em papel decorado, põe sobre a mesinha com o abajur, ao lado dos óculos e de um lápis, senta-se na poltrona, mãos cruzadas sobre o colo.
Virgínia: "Acho que errei de roupa. Este casaco é quente, pela manhã estava mais frio.”
Adelaide: “Quer tirar o casaco?”
Virgínia: “Não, obrigada.”
Virgínia olha para as caixas.
Adelaide: “Desculpe a desordem, nos mudamos há poucos dias.”
Pausa. Na sala, há um piano. Virgínia afasta-se do encosto, senta-se na beira do assento.
Este é um trecho do filme Virgínia e Adelaide, produção da Casa de Cinema de Porto Alegre que sequer estreou ainda — a previsão é que o lançamento ocorra entre março e abril de 2025 —, mas o seu roteiro já está no site da produtora para quem quiser conferir. E na íntegra.
E este é apenas um dos mais de 70 scripts dos filmes lançados pela empresa nos seus 36 anos de existência — e até alguns que forma feitos pelos sócios, antes mesmo da produtora existir. Estão lá os roteiros completos de longas consagrados, como O Homem Que Copiava (2003) e Saneamento Básico - O Filme (2007), mas também de curtas multipremiados, como Ilha das Flores (1989) e O Dia em que Dorival Encarou a Guarda (1986). É uma aula de cinema para quem estuda na área ou é um entusiasta pelo fazer da sétima arte.
Segundo Jorge Furtado, sócio da produtora, há anos que a Casa de Cinema compartilha os roteiros de suas produções, mas foi recentemente que o seu parceiro Giba Assis Brasil se empenhou em organizar e revisar quase tudo que já foi realizado pela produtora ao alcance de quem quisesse. E são várias versões colocadas online, mostrando como é o processo de construção da história de um filme — Ilha das Flores, por exemplo, possui duas versões antes do chamado "texto final".
— É muito importante para a formação de jovens que querem estudar cinema saber como é que escreve. E o roteiro de um filme, com raras exceções, só tem sentido antes do filme existir. Ele é um instrumento de trabalho. A gente sempre considerou assim. Não é uma peça literária que eu vou guardar para lançar um livro do roteiro. Na verdade, até pode acontecer, mas é mais legal disponibilizar para quem quer usar, saber, ver, aprender — esclarece Furtado.
O diretor explica que esta atitude dos sócios da produtora gera bonitos frutos, com diversos relatos de, agora cineastas, que usaram os roteiros para aprender a escrever para o cinema. É uma medida simples, mas que é um importante passo para quem sonha em entrar no mundo da sétima arte, mas não tem, muitas vezes, condições de pagar um curso. É uma democratização do conhecimento.
Merece aplausos — e uma visita, pois é fascinante ver o processo de criações de diversas obras incríveis do cinema gaúcho: casacinepoa.com.br/textos/roteiros.