
"O cérebro guarda mais memórias afetivas do que lógicas" (Osho)
A vida para o Adroaldo sempre foi transparente e reta, e ele aprendeu a desconfiar de pessoas que forçavam a intimidade. Foi a primeira coisa que me ensinou, na década de 1980.
Quando o conheci, me encantei com sua descrição da simplicidade da vida no campo: "Surpresa zero, doutor, porque até quando vem tormenta a agitação dos cavalos na estrebaria me antecipa".
Na consulta inicial, deu as cartas: "Vim lhe procurar porque um compadre em quem confio me recomendou, e fiquei meio desiludido com um médico jovem lá da minha cidade que nem conheço direito. Quando entrei na sala dele, me deu um tapa nas costas e perguntou: 'O que mais te atrapalha, índio velho?'. E lá isso é jeito de tratar um velho desconhecido, só porque estava de botas e bombachas?".
Mais um paciente jogado fora pela ingênua pressa de agradar, sem se dar o tempo do convívio, obrigatório na arte de conquistar.
Terrível expectativa
Em Não Olhe para Trás (2015), filme com Al Pacino, há uma cena extremamente eloquente em que um pai acompanha o filho em terrível expectativa, enquanto aguardam ansiosamente a comunicação sobre a eficácia ou não de um tratamento quimioterápico, com significado de vida ou morte.
O pai adverte seu filho que eles já saberiam se a notícia era boa ou ruim pelo cumprimento do médico: "Das outras vezes, sempre que ele te chamou de Tom Donnelly, a notícia era ruim. Temos que esperar que ele entre aqui e diga simplesmente 'Oi, Tom!'".
O pai, por experiência e perspicácia, tinha aprendido que os médicos, inconscientemente, usam um linguajar cerimonioso para dar, com palavras mais formais, a notícia que ninguém gostaria de ouvir.
Médicos têm uma previsível dificuldade de assumir a impotência
Momentos que impactaram
Em evento recente que organizamos na Academia Nacional de Medicina, discutimos os momentos que impactaram a vida profissional dos palestrantes. O professor Francisco Sampaio contou de uma lição que ouvira de um paciente inteligente e sensível: "Quando o médico entrava no quarto sozinho, a notícia era boa. Porque o médico, um egoísta, não queria dividi-la com ninguém, e se isolava como portador da boa nova".
Em contrapartida, ele temia pela chegada de uma equipe, porque já aprendera que o médico apelava para a parceria quando a notícia era ruim e se sentia desconfortável assumindo-a sozinho.
Muitas mensagens prescindem de palavras
Condicionados emocionalmente para o sucesso, temos uma previsível dificuldade de assumir nossa impotência — diante do inevitável, que ao menos possamos compartilhá-la. Ignoramos que, para o paciente, não interessa o número de mensageiros: ele só terá dois ombros para carregar sua dor.
Além de todos os desafios evidentes da atividade médica, seu exercício pleno ainda exige a sutileza de reconhecer que muitas mensagens, alentadoras ou decepcionantes, prescindem de palavras. E tantas vezes temos que conviver com o desconforto tardio de não termos percebido a tempo de evitá-las.