As 31 mortes registradas até agora pela passagem do ciclone no Rio Grande do Sul ainda não caracterizam a maior tragédia natural da história gaúcha, mas isso pouco importa para quem perdeu familiares, casas, animais de estimação. Só os idosos ouviram falar de algo semelhante. Ocorreu há 64 anos - este colunista ainda não era nascido. E foi muito perto do epicentro das tempestades que agora arrasaram diversas comunidades.
Em 26 de setembro de 1959 o Vale do Rio Pardo foi assolado por uma chuva torrencial. A tragédia se delineou em 24 horas, uma mistura de enxurrada e solo encharcado em excesso que provocou desmoronamentos e derrubou casas em sequência. Entre Candelária e Sobradinho foram contabilizados 94 mortos. Há possibilidade de que tenha morrido mais gente, porque alguns desaparecidos nunca foram encontrados.
Essa enxurrada de 64 anos atrás aconteceu não muito distante do Vale do Taquari, arrasado agora pelas maiores cheias em 82 anos (desde que existem medições na região). É preciso também lembrar que podem haver mais mortes decorrentes do ciclone atual. Ou seja, a tragédia de 1959 ainda não foi superada - oxalá permaneça assim e os gaúchos não tenham de chorar um recorde. O número de mortes registado nesta semana, porém, já é maior que o do ciclone de junho, que matou 16 pessoas no Rio Grande do Sul.
A enchente atual tampouco é a maior vivenciada na história gaúcha, em termos de nível de água. O recorde ocorreu entre abril e maio de 1941, quando choveu 22 dias consecutivos no Estado. Foram 70 mil desabrigados apenas em Porto Alegre, um quarto da população da Capital. A população teve de se deslocar de barco pela área central. A diferença é que foi uma chuva mais calma que a atual. As pessoas tiveram tempo de abandonar suas residências e, por isso, o número de mortos porto-alegrenses é calculado em 10.
Em Santa Catarina enxurradas como a que se abate agora sobre o Vale do Taquari são ainda mais frequentes. Em novembro de 2008 fui designado para cobrir a maior tragédia natural já ocorrida em solo catarinense. O Vale do Itajaí foi submetido a chuvas incessantes por cerca de 15 dias, até que os morros começaram a deslizar, levando de arrasto residências. O resultado foram 135 mortos, a maior parte deles soterrados sob toneladas de lama. Para chegar aos lugares atingidos, só a pé, de moto ou com caminhões tracionados em seis rodas (sim, você leu direito), como constatamos eu e outros jornalistas que estão em GZH hoje e participaram daquela cobertura, Marcelo Gonzatto e Carlos Etchichury. O epicentro da catástrofe foi Blumenau, mas toda a região ficou coberta por barro ou submersa.
São históricas também, em solo catarinense, as enchentes de Tubarão (duas) e Araranguá. A proximidade com a Serra do Mar e o contraste climático entre frentes frias e o calor do oceano costuma gerar tragédias.
E as mortes não têm ocorrido por falta de aviso. Tanto em Santa Catarina como no Rio Grande do Sul a Defesa Civil tem enviado alertas pelas redes sociais a respeito de possíveis catástrofes climáticas. Ao que parece, muita gente hesita em deixar suas residências, mesmo ante o perigo iminente.