Às vezes a vida nos traz um desânimo, mesmo para quem, como eu, tem 36 anos de coberturas de casos criminais. O caso da menina de 10 anos que engravidou após ser estuprada é daquelas notícias que faz mal. Quem dera fosse fake. Não, é apenas retrato de uma família desestruturada – a criança era estuprada desde os seis anos pelo próprio tio.
Mas a coleção de horrores não para aí. Como se a criança fosse culpada por ter sido estuprada, um grupo de militantes antiaborto, incitados nas redes sociais pela extremista de direita Sara Winter, cercou a entrada do hospital onde a menina faria o aborto. Gritavam ofensas a funcionários do estabelecimento e aos médicos. A direção de um hospital desistiu e a menina teve de viajar para outro Estado para garantir o direito de terminar com a gravidez fruto de violência sexual.
Manifestações odiosas de um Brasil doente. O próprio vice-presidente da República, general Hamilton Mourão, apesar de eleito numa plataforma conservadora, se posicionou contra os extremistas que gritavam na frente do hospital:
“Nesse caso, aborto é mais do que necessário, é recomendado”, resumiu o general.
Sabe o que fala, o general. O Código Penal Brasileiro autoriza aborto de gravidez fruto de estupro. Ponto.
Muito além da questão legal, existe uma discussão moral. Quão indesejado o bebê seria, fruto de estupro? Os manifestantes pensam nisso? Por que não foram prestar solidariedade à menina, antes de apedrejá-la com ofensas? A própria Bíblia ensina: “atire a primeira pedra quem nunca pecou”. E, no caso, a menina nem sequer tinha noção do que lhe aconteceu, foi abusada. Agiram como se ela fosse culpada pelo estupro, alguém que foi violentada desde os seis anos de idade e que ainda brinca de bonecas (levou uma no avião, rumo ao hospital).
O aborto foi feito, o criminoso acaba de ser preso, mas a menina dificilmente passará por essa experiência sem severos traumas psíquicos. Bem que os moralistas de porta de hospital poderiam ajudar a custear o tratamento da criança. Seriam muito mais cristãos e menos obtusos.
