Não foi preciso um ataque com aviões ou a explosão de um estádio de futebol para apologistas do ódio, como os militantes do Estado Islâmico, conquistarem uma vitória nessa decisão dos britânicos de abandonarem a União Europeia (UE). Não só eles, lógico. Venceu o retrocesso, o medo e o egoísmo.Triunfou o temor do diferente, medo do estrangeiro, medo do migrante, medo do desemprego.
Egoísmo no sentido de que os britânicos, sobretudo os mais velhos, decidiram com o bolso - temem o diferente e também a perda do poder aquisitivo. Podem apostar que os ingleses trazem embutida, nessa decisão de largar a Europa à própria sorte, uma certa nostalgia do antigo Império onde o sol nunca se punha.
Gerações mais modernas de europeus já aceitam que têm uma conta a pagar pelas explorações e escravismo impostos à África e à Ásia no tempo de seus bisavós. Essa conta pode ser suave, mediante aceitação da presença dos migrantes. Paris e Londres são os maiores exemplos europeus de multiculturalismo. É mais fácil, em certos locais, encontrar estrangeiros do que ingleses, convivendo em relativa harmonia. Indianos trabalhando em restaurantes, paquistaneses nos metrôs, árabes nos museus, nigerianos vendendo artesanato ou trabalhando na construção civil.
Por que não? Salvo bolsões radicais - que podem e têm sido identificados pelos serviços secretos - a imensa maioria desses asiáticos e africanos deseja ser europeu, trabalhar na Europa, vencer lá. Abominam regimes autoritários ou seitas fanáticas, como as abraçadas pelos terroristas do Oriente Médio. Muitos fugiram delas, em busca da atmosfera mais liberal da Europa. Esse mesmo continente que agora começa a se fragmentar em novos nacionalismos chauvinistas e xenófobos. E tudo indica que a rebelião da maioria dos britânicos contra uma ideia de generosidade e compartilhamento vai se espalhar pelo continente europeu, na contramão do humanismo e do progresso. É a ponta de lança de uma maré conservadora.