Se você é descendente de italianos como eu, talvez já tenha vivido a experiência de topar com atores tão parecidos com seus tios e primos que eles desapareceriam com facilidade, camuflados, em qualquer festa de Natal da família.
Marcello Mastroianni, por exemplo, tinha todo o jeitão do meu pai. Admito que é uma semelhança sutil, que talvez só eu tenha notado, mas estava lá. Não no Mastroianni galã, de A Doce Vida (1960) ou Oito e Meio (1963), mas naquele dos últimos anos, em filmes como Olhos Negros (1987), Splendor (1989), Afirma Pereira (1995) ou no póstumo Viagem ao Princípio do Mundo (1997).
Aos meus olhos, Mastroianni encarnava uma espécie de paternidade terna e acolhedora muito parecida com o modelo que eu tinha em casa. (Era meu pai que eu projetava no ator ou o contrário?)
"Ele inspira confiança, atrai a amizade, seduz sem alarido, agrada as mulheres sem irritar os homens. É comedido em tudo. É indeciso e, no entanto, decidido, voluntarioso, porém, indolente. Autoirônico, raramente ele escapa a este equilíbrio que chamamos de tranquilidade", definiu o crítico Barthélemy Amengual — referindo-se ao ator, não ao meu pai, mas quase tudo vale para os dois.
Era o meu pai que eu projetava no ator ou o contrário?
Ao longo deste ano, cinemas e plataformas de streaming do mundo inteiro celebraram o centenário do nascimento de Marcello Mastroianni (1924-1996). Tive a chance de rever muitos filmes que eu havia assistido anos atrás e descobri outros tantos que não conhecia. Um Dia Muito Especial (1977), obra-prima de Ettore Scola, continua melhorando a cada ano que passa, mas que boas surpresas foram Dois Destinos (1962), de Valerio Zurlini, Henrique IV (1984), de Marco Bellochio, e O Apicultor (1986), de Theo Angelopoulos.
De todas as homenagens que Mastroianni recebeu em 2024, a mais surpreendente veio da filha mais nova do ator. No filme Marcello Mio, ainda por estrear em Porto Alegre, Chiara Mastroianni brinca com a perturbadora semelhança física com o pai, assumindo por alguns dias sua personalidade e o figurino usado em Oito e Meio.
Nessa história tão original quanto estranha, as lembranças dela, como filha, acabam misturando-se às nossas, como espectadores (e, no meu caso, também como filha imaginária). Marcello Mio troca a suposta perfeição das imagens recriadas com a ajuda da inteligência artificial pela falível e insubstituível memória dos afetos — essa que muitos de nós, querendo ou não, mantemos em permanente modo ON nesta época do ano.