
Tem quadros que quase todo mundo reconhece, mesmo sem saber de quem é, quando foi pintado ou por que a imagem parece tão familiar. Caminhante Sobre o Mar de Névoa, do artista alemão Caspar David Friedrich (1774-1843), é um desses quadros.
Se você nunca teve a sorte de topar com o Caminhante em um museu, é possível que já tenha visto uma reprodução da pintura ilustrando algum artigo sobre Romantismo (a obra é um marco do período), nacionalismo alemão (Hitler era apaixonado por Friedrich) ou em reportagens aleatórias sobre qualquer assunto imaginável — da melancolia ao turismo de aventura. Não por acaso, o personagem que contempla montanhas enevoadas que parecem não ter fim ficou conhecido como “as costas masculinas mais famosas da história da arte”. Olhar para o quadro é olhar para ele, com ele e através dele.
Organizada em conjunto com três museus alemães, a exposição Caspar David Friedrich: A Alma da Natureza está em cartaz no Metropolitan Museum de Nova York até o comecinho de maio, convidando o público a se aventurar em paisagens que nunca são de todo plácidas ou acolhedoras.
Considerado o grande mestre do Romantismo alemão e com frequência associado ao termo “sublime”, Friedrich foi capaz de espelhar os tumultos do espírito — e da época — retratando praias sombrias, florestas espectrais, ruínas de igrejas abandonadas e pessoas solitárias esmagadas pela beleza, pela transcendência e pela indiferença da natureza. Nesse sentido, o quadro Monge à Beira-mar é insuperável, despertando no observador emoções tão intensas quanto contraditórias: paz e tumulto, conforto e ameaça, solidão e comunhão espiritual.
A celebração dos 250 anos de nascimento de Friedrich começou no ano passado, na Alemanha, o que sem dúvida explica a escala em Nova York, mas não a tremenda coincidência de a exposição entrar em cartaz mais ou menos na mesma época em que chegava aos cinemas a nova versão de Nosferatu, dirigida por Robert Eggers.
Como as duas versões clássicas da história, a de Murnau, de 1922, e a de Werner Herzog, de 1979, a atual encarnação cinematográfica do vampiro usa obras de Caspar David Friedrich como fonte de inspiração para as cenas ao ar livre. Nos três filmes (os dois primeiros disponíveis no Youtube, com legendas em português), o artista obcecado pela morte, pela natureza e pelo misticismo é o complemento perfeito para uma história em que bem e mal disputam almas atormentadas até a última gota de sangue.