
Paris, 1968: “É proibido proibir”. Berlim, 1989: “Nós somos o povo”. São Paulo, 2013: “Vem pra rua”. Washington, 2025: “Isso não é normal”.
Em uma folha pouco maior do que um cartão-postal, a congressista americana Melanie Stansbury, do Partido Democrata, escreveu à mão o slogan que talvez seja lembrado no futuro como a síntese mais precisa do estado de espírito do planeta em 2025. Na imagem que correu o mundo na semana passada, Melanie aparece segurando seu cartazinho, bem atrás de Donald Trump, na hora em que o presidente norte-americano chegava para seu discurso anual diante do Congresso, na última terça-feira (4). Não demorou muito para que um republicano mais afoito arrancasse a folha de papel da mão da deputada — mas, como a foto já havia sido feita, o gesto serviu apenas para confirmar o que o cartaz estava anunciando.
Como dizia um slogan que se tornou muito popular no Brasil em 2013, Melanie “me representa”. Nada parece normal no segundo governo de Donald Trump — ou no calor de Porto Alegre, ou no gosto da água que sai da torneira, ou em 2025. Quem sabe o anormal seja o novo normal que todos nós vamos ter que aprender a normalizar. Ou talvez a atitude mais normal, hoje e sempre, seja a de achar que algo está fora da ordem e que o céu está prestes a desabar sobre nossas cabeças.
Nossa sobrevivência, como espécie, sempre dependeu de um sutil equilíbrio entre o alarme e o hábito, a desconfiança e a adaptação. Uma parte de nós está sempre atenta a ameaças em potencial: uma onça atrás do arbusto, um morro prestes a desabar, um rio que sobe muito rápido. Outra, mais apegada ao conforto, procura estabilidade mesmo onde tudo parece conspirar a favor do caos.
Construímos muros para nos proteger das ameaças e nos convencemos de que para tudo há um jeito. E não apenas porque estamos acostumados a enfrentar circunstâncias adversas, mas porque aceitar que as coisas estão fora de lugar — quando não podemos fazer nada a respeito — nos instala nessa desconfortável areia movediça de espanto, impotência e horror. Para a maioria de nós, só o que resta é fazer coro ao bordão: “Isso não é normal”.
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Na próxima quarta-feira, dia 12, às 19h, vou estar ali na Livraria Paralelo 30 (Rua Vieira de Castro, 48) conversando com o pesquisador e crítico de cinema Marcus Mello sobre o livro Recado dos dias (Editora Libretos), uma seleção das crônicas que eu publiquei aqui na Zero Hora nos últimos anos. O evento faz parte da programação do festival literário Rastros de Verão. Apareçam!