Minha relação com os livros, assim como a de vários leitores da minha geração, deve muito a duas coleções que fizeram sucesso no Brasil a partir dos anos 1970 e 1980: a série infantojuvenil Vaga-Lume, lançada pela Ática em 1973, e a coleção Primeiros Passos, da Brasiliense, de 1980.
Muita gente pegou gosto pela leitura devorando livros como A Ilha Perdida, O Escaravelho do Diabo, Coração de Onça. Para leitores um pouco mais velhos, a coleção Primeiros Passos era uma espécie de Google em formato de livro de bolso. Não há calouro de curso de Humanas que não tenha se socorrido de algum dos títulos da coleção para entender do que, raios, os professores estavam falando quando usavam termos como "indústria cultural", "utopia", "anarquia".
Hoje pode parecer banal, mas os livrinhos da Primeiros Passos eram uma mão na roda para quem ainda se sentia intimidado pelos calhamaços da bibliografia convencional. Escritos em linguagem acessível, os livros da coleção ajudavam a suavizar a transição entre a escola e a universidade. Em uma época em que a democratização do ensino superior ainda engatinhava no Brasil, uma coleção de textos introdutórios, em edições baratas e com forte apelo junto ao público jovem, era uma bem-vinda novidade para alunos e professores. (Não sei se o clássico O que É Ideologia, de Marilena Chauí, ainda aparece nas listas bibliográficas do primeiro semestre da faculdade, mas sua reencarnação digital circula hoje livremente na rede, assim como outros títulos da coleção.)
Um dos apelos da série Primeiros Passos, pelo menos para mim, era a fantasia de que era possível explorar o mundo das ideias a conta-gotas, indefinidamente, um tijolinho de cada vez. Não existe nada tão complicado que alguém que domina o assunto e sabe se comunicar não seja capaz de ensinar a um leigo curioso e dedicado: física quântica, histórias da Roma antiga, biologia marinha... Bastava dar o primeiro passo.
Com o tempo, vamos percebendo que a curiosidade não é uma matéria-prima inesgotável e tende a escassear se a gente esquece de exercitá-la com certa frequência. Quando você se dá conta, está lendo sempre as mesmas coisas, sobre os mesmos assuntos – e fugindo de tudo aquilo que cheira a novidade ou escapa dos seus interesses imediatos. E não adianta ter acesso a toda a biblioteca da Alexandria pelo smartphone se a gente nunca escapa da mesma prateleira.
Um jeito de trocar de prateleiras e manter os músculos da curiosidade tonificados é explorar o cardápio de assuntos aparentemente aleatórios oferecidos pela série Explained – produção do site de notícias Vox disponível na Netflix desde maio. São episódios curtos, de menos de 20 minutos, que abordam temas tão diversos quanto monogamia e críquete, ETs e K-pop, genética e criptomoedas.
Concebida para atrair o interesse de um público que cresceu consumindo informação e entretenimento por meio de vídeos no celular, o único pré-requisito para assistir e gostar de Explained é se sentir estimulado, e não ameaçado, pela vastidão da própria ignorância a respeito de quase todos os assuntos.