
Não tenho nada contra o Legendários. Só o fato de reunir homens abraçados e de mãos dadas para oração já é uma proeza.
Fundado em 2015 na Guatemala pelo pastor Chepe Putzu, chegou ao Brasil em 2017. Mais de 14 mil brasileiros se alistaram na jornada. É uma febre entre marmanjos, com o propósito de resgatar a identidade, fortalecer os laços familiares e inspirar ações sociais e engajamento nas comunidades locais.
O recrutamento quase militar pode gerar desconfiança ideológica da esquerda: um movimento da direita? Pode ser estereotipado: um movimento hétero?
Mas sempre pesará mais o que você carrega da experiência do que a experiência em si. Se você não tem valores sólidos, será arrebanhado, hipnotizado, arrastado para uma lavagem cerebral.
Homens fracos acreditam em tudo. Homens fortes escolhem no que acreditar.
Percebo, no entanto, que estamos precisando mais de algo como Sentinelas da Casa.
Se o Legendários é voltado para o reforço da masculinidade por meio de desafios ao ar livre, vejo que nossa principal carência é o contrário: o cuidado com os filhos e com a relação amorosa, a manutenção da vida cotidiana com a disciplina e constância do afeto.
Dependemos mais do nascimento de uma mentalidade e menos da restauração de uma crença.
Em vez de caminhadas, trilhas, caças e provas de resistência que testam os limites do corpo, queria ver o quanto os homens aguentariam ficar dentro de casa: cozinhando, limpando o que está na pia, lavando, estendendo e passando a roupa, alimentando e arrumando os filhos, realizando os deveres escolares com eles, faxinando os banheiros.
Em vez de acampar e acender fogueira com o atrito das pedras, teriam que aprender a permanecer mais na própria residência, a ser mais presentes e disponíveis, a se preocupar com o que falta na geladeira e no coração dos mais próximos.
Seria interessante inventar uma corrente para assumir as responsabilidades domésticas, muito além de matar baratas, abrir potes de conserva e consertar chuveiro. Os homens fariam os ranchos, acompanhariam as crianças ao médico, compareceriam às reuniões com os professores, buscariam e levariam os pequenos à escola, verificariam seus boletins, regrariam seus horários de sono e de banho, leriam histórias na cama.
Gostaria de uma imersão que mudasse a entrega da alma, com gincana mental para reaver a concentração e o foco nas conversas. Ouviriam suas esposas até o fim, sem interromper, sem ocupar o centro das atenções, sem distorcer, sem andar de um lado para o outro: parados, olhando nos olhos, não se mostrando distraídos com o celular e tarefas secundárias. Não desdenhariam as confissões nem os roteiros das obrigações do lar, até dispensando a incansável repetição dos mesmos pedidos. Não escutariam nada pela metade.
Guardariam os compromissos da intimidade na agenda com o rigor dos contatos profissionais.
Entenderiam o que é igualdade entre os gêneros na prática, numa desintoxicação do ciúme e da possessividade, incentivando as carreiras das parceiras, seus cursos, suas interações sociais. Não mais desejariam que fossem uma segunda mãe, aquela exclusiva e incondicional companhia para seu benefício. Parariam de dizer que elas são seu braço direito, um modo eufemístico de disfarçar a exploração.
Não perguntariam aonde elas vão e com quem, não interfeririam em suas roupas e amizades, respeitariam suas decisões.
Não agrediriam, não falariam alto. Não usariam palavrões e grosserias para impor suas opiniões. Não coagiriam ninguém, não bloqueariam a saída com a truculência dos cotovelos, não bateriam portas.
Abandonariam todas as piadas preconceituosas e homofóbicas, exercitando a empatia, aceitando as diferenças, criando um vínculo com a humildade.
Demonstrariam bravura ao cumprir suas palavras e promessas — jamais delegando a ordem da casa às suas companheiras.
O banal se transformaria numa epopeia do autoconhecimento.
A verdade é que os homens ainda são ausentes e omissos. Mais de 172 mil crianças foram registradas sem a identificação paterna, representando aproximadamente 6,9% dos nascimentos no país. Atualmente, cerca de 11 milhões de mulheres no Brasil criam seus filhos sozinhas.
E isso existe desde sempre. Então, não é o caso de recuperar a masculinidade, mas de finalmente começá-la.