
Passou discreto pelo noticiário o antídoto ao feminicídio: a condenação pesada e incontestável.
A prisão educa. É quando os agressores percebem que não ficarão impunes.
Não vejo uma forma mais contundente de chamar atenção para uma epidemia de misoginia que provocou dez mortes de mulheres em menos de dez dias no Rio Grande do Sul, durante o feriado prolongado da Páscoa e Tiradentes, entre os dias 18 e 21 de abril, espalhando terror em Parobé, Feliz, São Gabriel, Viamão, Bento Gonçalves, Santa Cruz do Sul, Serafina Corrêa, Pelotas e Ronda Alta.
Na madrugada de sábado (26), em julgamento que durou mais de 17 horas, Alexsandro Alves Gunsch, de 49 anos, foi condenado a 26 anos e 8 meses de prisão em regime inicialmente fechado pelo assassinato de sua ex-companheira, Débora Michels Rodrigues da Silva, de 30 anos.
O júri reconheceu quatro qualificadoras: feminicídio (por violência doméstica e familiar), motivo torpe (inconformismo com o término do relacionamento), meio cruel (asfixia mecânica) e recurso que dificultou a defesa da vítima.
O caso gerou grande comoção em Montenegro, cidade onde Débora era bastante admirada por sua atuação como personal trainer e por sua presença magnética nas redes sociais, compartilhando dicas de exercícios e rotina de treinos.
Se alguém se esqueceu dos fatos, houve um agravante brutal: o corpo de Débora foi deixado na frente da casa dos pais, tapado com um módico cobertor.
Não há explicação humana plausível para dar conta da aflição muda e catatônica dos pais Davi, de 72 anos, e Rosane, de 65 anos, abrindo a porta de manhã e descobrindo sua filha, no auge da carreira, liquidada pela violência de seu ex-namorado.
Para sempre, aquela calçada virou uma lápide.
O antigo genro devolveu a filha morta aos pais. Como se dissesse àqueles que a auxiliavam ativamente na separação: “Vocês a queriam de volta? Então, tomem!”.
Um troféu macabro da possessividade. Uma encomenda que revela o absoluto descarte e desdém pela figura feminina.
Débora jamais conseguiu recomeçar. Não pôde se mudar para o novo apartamento que havia escolhido dias antes, depois de onze anos de convivência com o ex. Seus itens pessoais permaneceram eternamente nas caixas de papelão. Sua esperança, num caixão de madeira.
É mais corriqueiro do que imaginamos: a coragem de romper uma relação tóxica esbarra na covardia do agressor.
Ainda bem que o episódio ultrajante teve rápida resolução, num júri realizado um ano e três meses após o crime — um prazo atípico no país.
Torna-se um exemplo icônico de como devemos tratar o feminicídio: com rigor e urgência. A condenação de Gunsch corresponde a um passo importante na mobilização contra a barbárie.
Vale assinalar a implantação recente das medidas protetivas eletrônicas: agora, vítimas podem solicitar proteção diretamente da residência, por meio da plataforma Delegacia de Polícia Online da Mulher RS.
Outro ponto que merece destaque é a sensibilidade do Ministério Público ao indicar duas mulheres para comandar a acusação: as promotoras de Justiça Rafaela Hias Moreira Huergo e Graziela Lorenzoni, acompanhadas da assistente de acusação Samanta Dannus, representante dos interesses da família da vítima.
Somente mulheres seriam capazes de compreender em profundidade o sofrimento da vítima: a solidão social, a ausência de socorro, o desgaste da credibilidade, o apagamento gradual da personalidade causado pela opressão psicológica e pelo preconceito silencioso.
Não basta unicamente assegurar o lugar de fala, é preciso respeitar o lugar comum da dor.
Débora, que iniciou o relacionamento aos 17 anos — sem anticorpos amorosos —, foi sendo destruída lentamente. Teve seus feitos diminuídos, sua interação boicotada, seus sonhos sabotados. Seu ex-companheiro não participou de sua formatura, impediu que estivesse em celebrações familiares e cerceou sua evolução profissional.
Ela perdeu primeiro a juventude. Depois, a vida — pelas mãos de um homem a quem confiou tudo desde sua adolescência.
Só lhe resta a justiça. A paz da justiça. O melhor contra-veneno que existe para inibir futuros crimes.