
Talvez seja a sina de nossos últimos ídolos do futebol: por uma trajetória em campo e pela badalação fora dele, não conseguiram prolongar a carreira.
Aposentam-se por lesões ou desgaste. Suas chuteiras não morrem de morte natural. São assassinadas por pisões dos adversários ou suicidadas pela boemia e pelos excessos da vida afastados da concentração.
Não desfrutam da longevidade da láurea. Não ultrapassam os 40 como o português Cristiano Ronaldo, que atualmente persegue o milésimo gol pelo Al Nassr com a fome de um garoto da base. Nem os 38 de Messi, que chegará a essa idade em junho — o mito argentino está em negociações para renovar com o Inter Miami até 2026, e considera a ideia de mais uma Copa do Mundo.
Ronaldo, o Fenômeno, parou em 2011, aos 34, no Corinthians, por dores crônicas e problemas de saúde, incluindo hipotireoidismo.
Adriano, o Imperador, também pediu a conta aos 34, em 2016, encurtando sua passagem pelo Miami United.
Ronaldinho Gaúcho, o Bruxo, fardou-se oficialmente para seu compromisso derradeiro em 2015, aos 35 anos, pelo Fluminense, contra o Goiás. Rescindiu o contrato com o Tricolor das Laranjeiras, e mergulhou secretamente, sem alarde, no seu canto de cisne.
Dos três, Ronaldo foi eleito o Melhor do Mundo pela FIFA em três oportunidades: 1996, 1997 e 2002. Ronaldinho venceu em duas: 2004 e 2005.
O destino, possivelmente, vem reservando igual precocidade para Neymar. Poucos acreditam que ainda possa alcançar o auge da sua arte ou repetir as atuações memoráveis dos tempos de Barcelona.
No meio do mês, contra o Atlético-MG, ele sofreu lesão muscular na coxa esquerda, a terceira desde seu retorno ao Santos, em janeiro. Voltava após 42 dias de recuperação por um edema na mesma região.
Seu contrato se encerra em junho, e somente completou uma partida.
Na recente experiência pelo Al Hilal, da Arábia Saudita, disputou apenas 7 jogos em dois anos. Assinalou um solitário gol. Não justificou o salário mensal de 13,3 milhões de euros (cerca de R$ 100 milhões). Somou 428 minutos dentro do gramado e arcou com duas lesões — uma delas, a ruptura do ligamento cruzado anterior.
Apesar do marketing e da festa, o menino de ouro da Vila se tornou um adulto contrariado. Sua explosão de dribles o transformou em alvo preferido dos zagueiros. Já não tem sequência nem obtém vantagem.
O futebol moderno, de imposição física, não permite exibições, muito menos concede espaço ao seu balé e coreografias.
Neymar se parece cada vez mais com o homem de vidro criado por M. Night Shyamalan — Mr. Glass —, que padece de uma doença que fragiliza os ossos.
É o nosso super-herói paradoxalmente vulnerável, justamente quando a Seleção amarga o ocaso nas Eliminatórias e sente falta do fator imprevisível de sua genialidade. Outra vez para de jogar enquanto o Brasil continua estacionado numa Neymardependência incurável.
Neymar, nome que significa novo mar, atravessa simplesmente uma ressaca do oceano violento ou está diante da linha da maré, o fim abrupto das ondas e olés das arquibancadas?
Já virou anedota o fato de que ele se machuca sempre em véspera de feriado. Não é bem assim. Ele se machuca sempre.
O que nem a posteridade nem a ciência poderão responder é: e se Neymar tivesse se resguardado? Se tivesse mantido o foco total no trabalho, longe da badalação, seguindo os exemplos espartanos de Cristiano Ronaldo e Messi, estaria mais estável? Ou teria apanhado tanto quanto Garrincha, e seu percurso não seria diferente?
Só o multiverso para esclarecer.
Todo atleta paga o preço da sua humanidade. Não há desconto, acréscimos. Esperamos ressurreições que desafiem a descrença — mas isso é vontade, isso é apenas esperança de torcedor. Não é o que a realidade nos mostra agora.