
Quando escolhi a minha primeira tatuagem, não tinha muitos recursos. Entrei no primeiro estúdio de fundo de garagem que vi pela frente. Não dependia mais do consentimento dos pais, iria exercer a liberdade rabiscando na pele as minhas crenças e ideologias.
Ser livre não é, ainda, ser responsável. Descobri a diferença depois.
Sequer pensei na finalização, na experiência prévia do tatuador, no seu catálogo de clientes, na sua perícia no lápis e no papel vegetal, apenas em pôr para fora a minha ideia e realizar o meu desejo. A pressa foi o meu álibi.
Precisaria ter meditado melhor, esperado amadurecer um pouco a decisão, baixar a testosterona, para não me deixar consumir pela ansiedade.
Poderia ter gerado uma colmeia de inspiração para os meus pares, compensando as pequenas picadas de abelha na minha carne, o sacrifício das vibrações da máquina de tatuagem. O sofrimento acabou sendo em vão.
Na estreia no divã da agulha, são grandes os riscos de esbarrar em clichês e não sair do óbvio: golfinho, anjo, beija-flor, coração, símbolo do infinito, mandala, borboleta, flor de lótus, caveira, estrela, âncora.
Hoje possuo dez tatuagens. Aquela inicial e fundadora, no entanto, continua inesquecível no mau sentido: meu xodó do infortúnio, meu mascote da infelicidade, meu vínculo eterno com a cafonice e com a limitação pecuniária.
Já era feia desde que surgiu, na adolescência. Imagine atualmente, desbotada com o passar dos anos, com a perda da pigmentação e do colágeno.
Por mais que eu enriqueça na vida, vou ostentá-la no braço para sempre.
Ela puxa o meu padrão, a minha média harmônica, para baixo. Não há como manter a elegância com camisa de manga curta.
Com a pele esticada, com o avançar da idade, ela está indecifrável.
É como uma caligrafia cujas linhas saltam do seu lugar original e acompanham as rugas e as dobras.
Comecei errando ao eleger um escorpião, meu signo. Aliás, não conheço um horóscopo mais vaidoso. Você dificilmente verá geminiano homenageando seu período de nascimento, ou sagitariano, ou leonino. O escorpiano, por sua vez, quer mostrar para todos quem ele é. Jamais encontrei gente que gosta tanto de ser passional.
Só que o destino é que foi vingativo comigo.
Era para ser um escorpião, mas mais parece um molusco, um caranguejo, uma lagosta. No senso comum, virou uma paella de frutos do mar. Ninguém acerta o seu desenho. Talvez eu devesse colocar uma legenda.
Como poeta, sou apegado a meus erros. Não irei providenciar a sua remoção com o uso de tratamentos a laser. Não vale o investimento, muito menos a dor.
Eu apenas não choro de arrependimento porque existem casos piores do que o meu. Os traumas alheios aliviam as minhas cicatrizes.
Um amigo, por exemplo, leva nas costas a tatuagem de um dragão que lembra agora um pavão depenado.
O dragão ficou totalmente desbeiçado. Nem cospe fogo — foi engolido pelas cinzas.