Fui um menino do terreno baldio.
Entrava nos terrenos vazios da vizinhança para roubar frutas.
Tinha que enfrentar uma adversária implacável que depenava os galhos antes de minha passagem: a erva-de-passarinho.
Ela devastava qualquer tronco.
Era a inimiga da fertilidade. A vilã do pomar e da abundância.
Para quem não conhece, a erva-de-passarinho corresponde a uma planta parasita que enforca a árvore lentamente, sugando a sua energia, o seu viço, a sua vitalidade, deixando apenas uma ossatura oca no lugar da vida.
Ela possui o poder da camuflagem. Seu arbusto confunde e sugere ser parte da sua vítima hospedeira. O recurso mais hábil para identificá-la é perceber folhas verdes em árvore seca.
Também chamada de visco, a erva vem do excremento das aves, nascendo a partir de sementes residuais do que foi expelido ou regurgitado.
Considerada um símbolo sagrado pelos druidas, que a colhiam no inverno para atos religiosos, é uma praga na urbanidade.
Porto Alegre está infestada. A erva-de-passarinho tomou conta da cidade, em especial do bairro Menino Deus.
Basta andar pelas avenidas Getúlio Vargas e Praia de Belas ou pelas ruas como Visconde do Herval, Botafogo e Rodolfo Gomes e olhar por cima dos galhos.
Existe uma procissão de árvores já mortas ou definhando por exibir a coroa fúnebre da erva-de-passarinho.
A prefeitura deve despertar para esse problema gravíssimo. Assim como realiza as podas, precisa conferir a saúde da flora. Há espécimes que ainda podem ser salvos. Há pés que terão de ser sacrificados.
O que não é possível admitir é a indiferença generalizada para a propagação do enxerto.
Não somente porque ameaça a arborização de nosso espaço público, mas também porque facilita o tombamento de árvores sobre casas ou postes de rede elétrica durante chuvas e tempestades. O risco de acidentes é alto, tendo em vista os frequentes ciclones nos últimos anos. Representa um perigo para a segurança dos moradores.
A ausência de prevenção da Secretaria Municipal do Meio Ambiente, Urbanismo e Sustentabilidade (Smamus) apenas acarretará trabalho dobrado de limpeza e desobstrução de vias para a Secretaria Municipal de Serviços Urbanos (SMSUrb).
Porto Alegre já ostentou o título de terceira cidade mais arborizada do Brasil, com um índice de 82,7% segundo o IBGE, há 15 anos. Já recebeu o certificado do programa Tree Cities of the World, que reconhece iniciativas de todo o mundo que investem na ecologia e desenvolvimento sustentável. Parece que esquecemos a nobreza do nosso passado.
A Capital tem hoje aproximadamente 1 milhão de árvores. Segundo a Unidade de Podas e Remoção de Vegetais (UPRV), cerca de 20% estão contaminadas com a erva-de-passarinho.
Entre 2017 e 2020, foram suprimidas 11.392 árvores em áreas públicas e privadas, sendo que menos da metade acabou vingada com novos plantios. Nesse ritmo, nossa cartografia ficará descaracterizada.
Não gostaria que Porto Alegre virasse um terreno baldio.