O delegado da Polícia Civil Josenildo Belarmino de Moura Júnior, 32 anos, natural de Pernambuco, foi morto a tiros pelas costas na manhã de terça-feira (14), na Chácara Santo Antônio, zona sul de São Paulo. Câmera de segurança flagrou o momento em que ele foi atingido e caiu no chão.
Antes de morrer, teria suplicado: “Sou muito jovem para morrer. Queria ver meus filhos”.
Ele ainda não tinha filhos. Estava com casamento marcado para junho, depois de dez anos de noivado. Pensou, naquele derradeiro instante, em tudo o que deixou de experimentar e de amar.
Tornou-se mais uma vítima da saidinha. Pois o seu assassino desfrutava do direito à saída temporária.
Quantos milhares de homicídio poderiam ser evitados se não houvesse tal benesse?
Como explicar para as famílias enlutadas que o responsável pelo fim de seu ente querido circulava na rua indevidamente, pois já estava teoricamente confinado?
Não dá para acreditar no sistema, que se mostra frouxo e leniente. Nosso semiaberto é escancarado, colocando em risco a seriedade do Direito Penal.
Desde outubro de 2024, há três meses, um suspeito de estuprar uma jovem de 18 anos, no bairro Campo Novo, em Porto Alegre, cumpria pena na Penitenciária Estadual de Montenegro, no Vale do Caí. Ele recebeu uma autorização para saída temporária entre os dias 14 e 17 de junho, e o crime foi cometido no dia 16.
Já passou da hora para suspender o artigo 122 da Lei de Execução Penal, que estabelece a “saidinha” para apenados do regime semiaberto no nosso passado, presente e futuro. O Congresso restringiu seu uso, mas as novas regras não se aplicam a quem já estava condenado antes da promulgação da lei, em abril de 2024.
Esta legislação permite que os prisioneiros saiam da unidade temporariamente até cinco vezes ao ano, sem vigilância direta, para visitar a família, estudar ou participar de atividades que contribuam para ressocialização. Deveriam ficar em casa, e não ficam.
O que costuma acontecer é a reincidência ou mesmo a fuga. Nos últimos três anos, a cada mil saídas no RS, 25 presos não retornaram, num percentual de 2,5%. No período, houve cerca de 60 mil detentos com esse benefício da progressão da pena.
Testemunhamos uma infindável coleção de estupros, de assaltos, de latrocínios e de homicídios de quem já se encontra preso. Ou seja, é um retrabalho inútil e sisífico da Polícia Civil, do Ministério Público e do Judiciário.
Não são casos isolados, mas recorrentes, ameaçando a integridade do cidadão, que não se vê em segurança.
O promotor de Justiça gaúcho Bruno Amorim Carpes, em seu livro O Mito do Encarceramento em Massa (Editora E.D.A.), expõe o “cárcere mental” em que vivemos, onde os presos se sentem livres e os livres se sentem presos.
“Em análise da realidade executória da pena, constata-se que a saída temporária, destinada apenas aos apenados que cumprem o regime semiaberto, premia praticamente apenas os autores de delitos de extrema gravidade, isto é, condenados por um dos 28 crimes que estipulam o regime inicial fechado (2,6% dos intervalos de pena previstos na legislação penal), visto que exige o mesmo requisito para a progressão de regime (1/6 da pena), salvo reincidentes (1/4).”
Cria-se uma tentadora oportunidade para os presidiários caçarem novas presas enquanto ainda cumprem pena. Transformam-se em coringas da impunidade, convocados ao crime exatamente por sua situação ambígua, posto que contam com o melhor álibi de todos: já estão presos.
Quem não tem escolha é a vítima, quem não dispõe de uma segunda chance é o morto. A tragédia anunciada é irreversível.