O policial Daniel Abreu Mendes deixou esposa e filha de 15 anos para sempre naquela terça-feira (21). Deixou sua corporação em Guaíba e seus sonhos de escrivão para sempre naquela operação contra o tráfico de drogas em Butiá (RS).
O adeus definitivo tem um só responsável: a leniência da lei.
Nada disso teria acontecido se o seu assassino não fosse um adolescente de 17 anos. Pois ele já havia cometido homicídio em 2023, e também tinha sido pego com uma arma ilegal no ano passado. Fora duas vezes preso, e fora duas vezes solto.
Portanto, se fosse formalmente adulto, estaria na penitenciária e Daniel, vivo.
Mas encontra-se protegido pela legislação, no quadro atenuante de menor infrator, não de criminoso, e é posto e reposto em liberdade sem cumprir pena nenhuma.
Suas punições são insignificantes, mesmo que seja um veterano e experiente homicida, com duas vidas subtraídas em seu histórico.
Em suas mãos, tem um verdadeiro cheque em branco para matar, usado como massa de manobra pelas facções da contravenção.
São as brechas infernais do maravilhoso Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA).
Criada há 35 anos, a Lei nº 8.069 corresponde à nossa norma regulatória de proteção das crianças e adolescentes.
Não há como contestar sua importância, pela amplitude de seus preceitos e pela forma como destaca a família e resguarda os nossos pequenos em situação de vulnerabilidade. A partir dela, a criança é vista como protagonista de direitos, com prioridade absoluta em todas as políticas públicas existentes.
O ECA exigiu dos municípios a criação dos conselhos tutelares, com representantes eleitos para mediar as denúncias de abusos e maus-tratos. Garantiu o pré-natal materno, assim como as campanhas de vacinação e o teste de pezinho.
São avanços inexoráveis. Só que ele não é perfeito, tem lacunas comprometedoras, especialmente quanto à sua parte penal. A natureza tutelar abstrai a natureza penal de crimes hediondos, isentando graves infratores de sua responsabilidade.
O regime de infrações do ECA não segue a sistemática do Direito Penal, baseada em tipos penais e penas mínimas e máximas para cada delito. O ECA não faz referência a penas ou crimes praticados por adolescentes, mencionando apenas infrações e medidas socioeducativas, que não são individualizadas e personalizadas pelo Estatuto.
Hoje o período máximo de internação é de três anos até os 21 anos de idade do infrator. A despeito de quantas mortes tenha causado, o adolescente não vai permanecer isolado da sociedade por mais de três anos. Ainda que seja um serial killer ou autor de uma chacina. Ou seja, ele recebe um duplo indulto: reclusão curta e depois anistia de seus atos criminosos.
Os antecedentes violentos são apagados sem que ocorra a devida contrapartida da dívida humana e social.
O espírito da proteção do ECA soa deficiente ao não prever e imputar as reincidências.
Com a impunidade, há uma banalização da violência e do terror e o recrutamento galopante das forças jovens para apertar o gatilho.
Talvez nem deva ser o caso de reduzir a idade penal, e sim aumentar o rigor com o tempo de internação para crimes graves. Adaptar o seu tempo e as suas regras de cumprimento proporcionalmente a atos infracionais gravíssimos.
Antes de se prender à idade, a um debate pela menoridade penal, caberia avaliar uma por uma das delinquências e as consequências delas na comunidade.
Se o interesse maior é pela preservação da vida, não entendo o total desprezo aos familiares das vítimas com a habitual impunidade.
A pessoa perde um marido, ou um filho, ou um pai, ou uma mãe, ou um irmão, e não vê nenhum júri, não vê ninguém ser punido.
É como se o ente querido desaparecesse, evaporasse no sangrento ar de nossos dias.