Quando o casal se ama, gafes são histórias divertidas.
O medo logo vira crise de riso.
A apreensão logo vira cumplicidade.
As falhas se tornam repertório de como o par se compreende e se ampara.
Talvez nem a alegria seja tão inesquecível quanto passar vergonha junto.
É um elo inquebrantável de humanidade e simpatia, uma prova simbólica da ausência de competição. Pois nenhum dos dois pretende ser melhor do que o outro e contar vantagem, mas demonstrar um esforço para ser melhor para o outro, apesar dos defeitos, na complementação de personalidades.
Estávamos chegando ao hotel de Miami depois de longa noite de viagem. O primeiro impulso brazuca é cair no mar e não desperdiçar a estada em dólares. Ninguém cogitava dormir ou recuperar o jet lag.
Só que não acertávamos a senha para abrir a mala cinza de Beatriz.
A senha que sabíamos de cor não funcionava.
Desandamos a assistir a tutoriais no YouTube, mas as lições soavam enigmáticas e misteriosas. O código deixava marquinhas, e precisávamos encontrar diferenças entre as sombras dos números sob a luz do celular.
Desistimos dessa operação 007. Não atingimos tanta perspicácia. A facilidade dos instrutores dos vídeos nos irritava ainda mais.
Beatriz decidiu buscar o auxílio da recepção. De tanto apertar 9 ou 1, acabou por ligar para a polícia. Até entender que era a polícia, não a recepção do hotel, demorou bastante. Ela já tinha exposto toda a narrativa da mala travada. Desligou por constrangimento pelo engano. Bateu literalmente o telefone no gancho, sem se despedir.
Daí eu falei que a polícia poderia nos rastrear, que tudo o que ela havia dito talvez fosse interpretado como um pedido de socorro disfarçado, que o encerramento abrupto da ligação fez a conversa parecer muito suspeita.
Nossa preocupação multiplicou de tamanho. Beatriz apenas desejava trocar de roupa e ir para a praia. Eu já estava de sunga. A novela se arrastava contra os nossos propósitos.
Minha esposa foi procurar ajuda no corredor, explicou a situação para a camareira. Ela prometeu providenciar técnicos do hotel.
Eu permaneci com a mala no meu colo, testando códigos. Comecei a fazer infinitas versões de fileira a fileira.
De repente, entraram no quarto três capangas, três armários, e ficamos em dúvida se era a polícia ou o hotel.
Graças a Deus eram representantes do hotel. Eles avançaram na minha direção. Deduzi que destruiriam a mala. De qualquer forma, no desespero, segui tentando números aleatórios, até que a mala abriu. Houve o clic redentor.
Eu gritei:
— I did it! [Eu consegui!]
Só que os funcionários pensavam que eu estava pelado segurando a mala na poltrona. Do ponto de visão deles, não me viam de sunga, as pernas e o peito se mostravam livres.
Foi quando um deles exclamou, fechando os olhos com as mãos:
— You can get dressed now, please. [Agora você pode se vestir, por favor.]