Natal e Ano-Novo viraram um mesmo evento. Não são mais duas festas independentes. Assumiram uma condição: é uma ou outra.
Não dá para ser feliz nas duas. Não dá para gastar nas duas. Não dá para sobrar nas duas.
Uma delas será mais doméstica, humílima, discreta.
É o efeito colateral da falta de tempo.
Agora você se organiza para as duas cerimônias como se fossem a extensão de uma só. Se exagera numa, compensa na seguinte.
Antes, você se dedicava a uma celebração e depois se doava para a próxima com igual disposição. Não se poupava. Não se economizava. Eram farras nababescas sem hora para terminar, sem limite no cartão de crédito.
Agora, com a nova tradição, a preocupação não é mais curtir, mas atender a todo mundo: passa-se com metade da família na ceia natalina e com a outra metade no Réveillon. Ou com os parentes na troca de presentes e com os amigos na virada do ano.
Aquela romaria de visitar várias casas numa única noite está sendo extinta. O poder da ubiquidade foi suspenso.
Existe uma escala, uma alternância, um revezamento, de acordo com a folga no trabalho ou não, com a possibilidade de viagem ou não.
Adotamos a expressão “microférias”. São raros os que aproveitam as férias num tiro de trinta dias. Costuma-se picotá-las em quatro parcelas para ter mais lugares para ir e mais chance de descansar. A tendência é repartir o relaxamento pelo verão, pelo inverno, pelo outono e pela primavera. Consiste em uma maneira de conciliar os horários e calendários malucos dos filhos e cônjuges.
Não há mais aquela concentração em devoção a um local, a um QG. Na minha infância, não tinha essa história de passar o Natal longe da família. O peru ainda não voava. Era alistamento militar obrigatório. Não se mudava nada ao longo dos anos: encontraríamos o tio do pavê e as passas no arroz. Todos nós levávamos um prato, e reverenciávamos o banquete de colcha de retalhos.
Os pés da árvore se mostravam cheios de pacotes, correspondendo às expectativas de qualquer criança, de qualquer adulto.
A escassez de recursos criou em seguida o Amigo Secreto, para salvar da falência o Papai Noel dentro de cada pessoa. Assim os presentes eram dados um por um, de modo nominal, em sorteio realizado com antecedência. Não se sofria mais da culpa por esquecer alguém, em especial um novo namorado ou namorada que se agregava ao círculo.
Entretanto, o Amigo Secreto se revelou injusto na distribuição de renda, não conseguindo nivelar generosos e avarentos, e conheceu seu ocaso.
Voltou-se a presentear espontaneamente os mais íntimos.
E hoje estamos assim: divididos em datas e contidos nos presentes.
Pela primeira vez na vida, eu contemplei com regalos apenas meus filhos e meus pais. Com muita dor, irmãos e amigos ficaram de fora.
Já com a minha esposa, predominou a franqueza. Fizemos um pacto: nada de lembranças entre nós, para podermos viajar no Ano-Novo. Renunciamos o Natal para inventar uma lua de mel.