
Ainda diremos muitas vezes ao longo do dia:
— O papa morreu!
Não acreditando. Não se conformando.
Papa Francisco se despediu do corpo do argentino Jorge Mario Bergoglio nesta segunda-feira (21), aos 88 anos, às 2h35min, um pouco depois da Páscoa.
Trata-se de um adeus premonitório, já que foi ele que ressuscitou a Igreja — assumiu o Vaticano em meio a escândalos de abuso e corrupção.
Quis a história que fosse o primeiro papa a morrer logo depois de se despedir publicamente. Abençoou a todos 24 horas antes do seu último suspiro, na Praça de São Pedro, visivelmente debilitado e em cadeira de rodas.
Não se isolou para morrer na solidão do luxo. Ele se desfez da mortalidade perto de seus fiéis, concedendo a tradicional bênção “Urbi et Orbi”. Inclusive realizou um passeio surpresa pela praça no papamóvel, acenando com extremo esforço, num gesto que emocionou a multidão.
O papa Francisco foi um pontífice de muitos primeiros — não apenas simbólicos, mas também estruturais. Ele quebrou protocolos, rompeu as amarras da tradição e abriu novos caminhos para a Igreja Católica.
O primeiro latino-americano.
O primeiro da idade contemporânea a assumir o papado após a renúncia do seu antecessor.
O primeiro jesuíta da Companhia de Jesus no posto, priorizando a evangelização e a ação social.
O primeiro em mais de um século a optar por não residir nos apartamentos papais no Palácio Apostólico. Desde sua eleição em março de 2013, ele escolheu viver na Casa Santa Marta, uma residência mais modesta dentro do Vaticano.
O primeiro a adotar o nome "Francisco" — em homenagem a São Francisco de Assis, levando os estigmas da humildade, da pobreza e do olhar cuidadoso aos mais vulneráveis.
O primeiro a usar um nome sem numeral, indicando ainda mais seu propósito de desapego dos títulos tradicionais. Poderia ter sido Francisco I desde o início — como João Paulo I, por exemplo. Mas ele viveu o que pregou e foi apenas um servo, sem a necessidade de uma linhagem.
O primeiro a nomear leigos e leigas para cargos de alta responsabilidade. Estendeu o poder de voto às mulheres no Sínodo dos Bispos, algo inédito.
O primeiro a levantar o debate sobre temas considerados tabus, como celibato e diaconato feminino.
O primeiro a visitar a Península Arábica, os Emirados Árabes Unidos, assinando o “Documento sobre a Fraternidade Humana” com o grande imã de Al-Azhar — um marco no diálogo inter-religioso, em 2019.
O primeiro papa ativo no combate às mudanças climáticas. Publicou a encíclica "Laudato Si", um dos documentos mais fortes da cúria sobre meio ambiente, justiça social e cuidado com o planeta.
O primeiro a se declarar apaixonado por futebol, torcedor fanático do San Lorenzo.
O primeiro a escutar tango, e não música sacra, em seus momentos privados.
O papa mais humano, o mais simples, o mais carismático desde João XXIII. Aquele que não desejava ser papa, pois os grandes líderes nunca desejam o poder.
Um papa que preferia o abraço com o tapa nas costas ao beijo solene em sua mão.
O primeiro em nossos corações. Nos corações beatos. Nos corações ateus.
Talvez o último assim.