
Há pessoas que têm paciência para ler bula de remédio e evitar efeitos colaterais, que têm calma para acompanhar manual de instruções e montar objetos e aparelhos, mas não são capazes de fazer terapia para saber como elas mesmas funcionam.
Eu não abro mão da terapia semanal. É por onde vou me conhecendo. Não porque resolvo os problemas nela, como é comum acreditar, mas porque aprendo a conviver com os problemas e não mais sou alienado das minhas emoções.
Talvez essa seja a minha maior descoberta. Nem tudo eu preciso consertar de imediato. Nem tudo eu preciso decidir na hora. Nem tudo eu preciso solucionar no momento. Nem tudo eu preciso perdoar ou culpabilizar, adotando um lado.
Let it be. Deixe estar.
Existem apreensões e angústias de que não conto com o total discernimento para tomar uma atitude. A sucessão dos dias vai me ajudar a compreender. A maturidade vai me ajudar a ser sábio. Caminhadas vão me ajudar a determinar de onde vem o incômodo, o porquê de me sentir tão magoado com o fato.
Eu coloco aquele sofrimento num quarto e fecho a porta. Desfruto do restante da casa, habitando os demais aposentos.
Quando estou preparado, volto e reinauguro o espaço para organizar a bagunça.
Agora não. Agora eu afasto a mente de perto da adversidade. Não me mostrarei obcecado e fixado nela, com olhos para mais nada.
Por enquanto, eu me despeço da ansiedade que me levaria ao descontrole. Não mais amargo a preocupação de ter que esclarecer o ocorrido para continuar com a rotina. Não fico empacado. Não estaciono no rancor.
Não me vejo apto a ser justo, tão influenciado pela temperatura alta dos meus sentimentos.
Nosso impulso inicial é nos defendermos, e nos defendemos atacando. Então, suspendo o choque até digeri-lo.
Passei a me proteger de mim.
Se você brigou com um amigo, ou com a esposa, ou com o marido, ou com um familiar, não corte as relações. Espere. Apesar de aborrecido, siga o contato para o desabrochar do desconforto. O decorrer das interações fornecerá novos elementos para definir se foi uma exceção ou uma regra.
Não se obrigue a preservar a frequência de conversa. Apenas dispense o desgaste do enfrentamento prematuro, oferecendo tempo para o outro se dar conta.
Vá de parto natural, não de cesárea do ódio. A moderação previne arrependimentos futuros.
Pode ser que tenha sido um mal-entendido, um ruído de comunicação, um trauma de sua parte, um medo revisitado, uma limitação do afeto. Ou ainda que tenha completa razão para, no fim, distanciar-se, desligar-se e mudar de rumo.
Mas não julgue no ato.
Tranque o cômodo.
Por não estar diante de um caso de vida ou morte, por combater o extremismo fulminante, por esse mínimo detalhe, você já está se curando. Você não delegou a ninguém o domínio da sua existência.
Puxe para si a lição de Sartre: “não importa o que fizeram de mim, o que importa é o que eu faço com o que fizeram de mim”.