O excesso de poder inebriou Renato. Ele se vê como o próprio Grêmio. A imortalidade de estátua se misturou a sua carne finita. Foi se empedrando com o tempo, com as crises, com as refregas nas coletivas pós-jogo.
Ele é um ídolo em campo e na casamata, é o autor dos gols do único Mundial do Grêmio, é o treinador mais longevo da história do clube, com mais de 400 partidas, só que algo está estranho em seu comportamento.
No início, suas declarações pareciam folclóricas, com picos de autoconfiança. Agora elas beiram a violência e realmente assustam.
O técnico vem travando uma guerra contra a imprensa, de tal maneira que não aceita mais senões. Denomina críticas de mentiras. Denomina oposições de calúnias.
Perdeu a temperança, o equilíbrio, o bom senso, o seu famoso e irresistível humor, justamente quando o seu time precisa de tranquilidade e serenidade para garantir apenas três pontos em três jogos e escapar do rebaixamento.
Como colorado, fico até constrangido de comentar o incidente na entrevista depois do empate com o Cruzeiro no Mineirão, na quarta-feira (27).
Será que Renato não extrapolou os limites de seu cargo? O que ele proferiu não constitui uma ameaça grave a jornalistas, insinuando que a torcida pode persegui-los, inclusive pondo a integridade de suas famílias em risco?
Pois seu discurso sugere que, caso não calarem a boca, irá denunciar o nome de um por um.
A questão é que não chamou a retaliação para si, envolveu uma possível ação da torcida.
— Se continuarem mentindo, vou dar nomes aos bois. Esta será minha última entrevista se vocês seguirem inventando mentiras. Vocês também têm família, têm filhos na escola, e o torcedor conhece vocês. Se continuarem assim, vocês também vão começar a enfrentar dificuldades.
Quais dificuldades? Ele não especifica. Porém, ninguém coloca a expressão “filhos na escola” impunemente. Não se trata de uma hipótese inofensiva. Por acaso não é uma frase de incitação ao ódio para atingir o que qualquer pessoa possui de mais precioso: o zelo por suas crianças e adolescentes?
Os “filhos na escola” dos meus colegas de ofício serão importunados? É isso o que ele deseja?
Seu tom não suscita uma represália efetiva, um convite para um massacre, uma autorização para um linchamento de profissionais que realizam o seu trabalho de cobertura esportiva, acostumados a fornecer opinião e informação?
Enquanto nos preocupamos em prevenir a violência das torcidas, surge Renato para inflamar os ânimos e armar um conflito?
Não se restringe a uma tentativa de censura, acaba apresentando uma tendência de mobilização de uma massa apaixonada para cometer atos fora da lei.
Ele não tem noção do seu nível de influência? Do quanto forma posicionamentos? Não percebe que pode terminar responsável por vítimas inocentes?
Eu conheço o presidente do Grêmio, Alberto Guerra, desde a época em que dirigia a Associação Leopoldina Juvenil. É um homem público civilizado e regrado, com mais de trinta anos de experiência como advogado, um dos maiores especialistas no país em Propriedade Intelectual. Duvido que ele concorde com essa conduta de seu funcionário.
Repense, Renato, suas atitudes. Voltar atrás é também evolução. Ninguém está contra você, os jornalistas somente não compactuam com esse seu momento — um momento ruim entre tantos bons.