Um grupo de cientistas com o apoio da Universidade de Melbourne, na Austrália, desenvolveu um minicérebro cultivado em laboratório cujas células são capazes de reagir ao ambiente de um jogo de computador. Os resultados do experimento foram publicados nessa quarta-feira (12) na revista científica Neuron.
A pesquisa tinha como objetivo aproveitar neurônios vivos para produzir inteligência biológica sintética (SBI, em inglês). Para isso, os cientistas criaram um sistema chamado de Dish Brain (cérebro de prato, em português), que é constituído por um minicérebro que é conectado ao videogame por meio de eletrodos de alta intensidade.
Para criar o minicérebro, os pesquisadores cultivaram células de camundongo embrionárias e neurônios humanos derivados de células-tronco e os cultivaram em cima de matrizes de microeletrodos capazes de estimular e identificar possíveis atividades neurais. Nesse experimento, foram geradas 800 mil células cerebrais.
Com intuito de analisar a reação das células, elas foram conectadas a um jogo de computador chamado Pong, que é parecido com tênis e cujo objetivo é rebater a bola que aparece na tela, não podendo deixá-la cair. Com essa conexão, os eletrodos indicavam de que lado a bola estava e a frequência de sinais informava a distância da barra (que funciona como uma raquete) ao alvo.
A partir das informações fornecidas pelos eletrodos, o aglomerado de células conseguiu aprender os movimentos da raquete e passou a reproduzi-los.
Resultados do experimento
A partir dos testes realizados, a equipe constatou que o minicérebro era capaz de receber as informações geradas e transmitidas pelo jogo, processá-las e ainda dar resposta em tempo real. À medida que o tempo avançava, as células produziam cada vez mais atividade elétrica própria e gastavam menos energia.
Os pesquisadores observaram também que quando a bola caia e o jogo tinha que recomeçar, com a bola em outro ponto aleatório, o cérebro gastava mais energia para se recalibrar para uma nova situação, considerada como imprevisível.
O tempo médio que o minicérebro demorou para aprender a "jogar" foi cinco minutos. Além disso, apesar de algumas vezes errar não acertar a bola, a taxa de sucesso ficou acima do que é considerado acaso.
Ao longo do estudo, os pesquisadores enfatizaram que apesar das células cerebrais terem reagido ao ambiente virtual, o minicérebro, que não tem consciência, não sabia que estava jogando o game como ocorreria com um jogador humano.
Importância do estudo
O estudo dos minicérebros não é tão recente e ocorre desde 2013. Pesquisas nessa área foram desenvolvidas principalmente para compreender a microcefalia — distúrbio genético que faz com que o indivíduo nasça com um cérebro muito pequeno. Desde então, o assunto tem avançado na comunidade científica e estimulado projetos que visam entender o desenvolvimento das células cerebrais.
Apesar do tema não ser novidade, a pesquisa realizada pelos cientistas australianos é a primeira em que um minicérebro é conectado com um ambiente externo e reage a ele.
O principal objetivo dos pesquisadores era entender como células cerebrais cultivadas em laboratório poderiam realizar tarefas direcionadas e cumprir objetivos. A partir disso, o experimento pode ser reproduzido para investigar o funcionamento do cérebro humano de pessoas em condições debilitantes, como epilepsia e demência, e tentar estimular a execução de atividades.
De acordo com Brett Kagan, diretor científico da startup de biotecnologia Cortical Labs e principal autor do estudo, a equipe planeja, em breve, executar outro experimento nessa área para investigar a ação do álcool no cérebro cultivado. A ideia é tentar criar uma curva de dose-resposta com etanol, deixando os neurônios sob efeito do álcool, e analisar se as células cerebrais terão o desempenho no jogo prejudicado.
Para Adeel Razi, diretor do Laboratório de Neurociência Computacional e de Sistemas da universidade australiana de Monash e um dos autores da pesquisa, as descobertas desse estudo poderão também estimular alternativas para a realização de testes de novos medicamentos e terapias genéticas sem precisar usar animais.