Alexandre Rangel, pai da agente comunitária Juliana Leite Rangel, 26 anos, não consegue dormir desde a noite de terça-feira (24). Na véspera de Natal, ele e a família passavam de carro pela Rodovia Washington Luiz, no trecho da BR-040, quando foram alvos de tiros disparados por agentes da Polícia Rodoviária Federal (PRF), em Duque de Caxias, no Rio de Janeiro.
Rangel afirma que foram mais de 30 tiros. Um deles acabou atingindo a cabeça da filha, que precisou ser internada às pressas no Hospital Municipalizado Adão Pereira Nunes, na mesma cidade. Juliana passou por cirurgia para a retirada do projétil que se alojou no crânio. O quadro é considerado "gravíssimo", segundo a Secretaria Municipal de Saúde de Duque de Caxias.
— Eu mal consegui dormir até agora. Passei a madrugada no hospital. Não acredito até agora. Minha filha tá naquela situação. (Está com) 26 anos — disse Rangel, em conversa com o Estadão na noite de quarta-feira (25). — Eu estou sem chão. Acabou com o Natal da minha família.
À reportagem, ele relatou como aconteceu o episódio. Antes dos disparos, Rangel, a esposa Dayse, Juliana, um filho adolescente e a namorada do filho estavam a caminho de uma ceia de Natal. No trajeto, de acordo com o pai da jovem, ele avistou a viatura da PRF e abriu passagem para o veículo passar. No entanto, os agentes começaram a atirar contra a família de repente.
— Começaram a meter bala. Não deram ordem de parada, não deram nada. Eu percebi que era tiro quando quebrou o estilhaço do carro. Eu pedi para os meus filhos e para a namorada do meu filho adolescente se agacharem e ficarem deitados no assoalho do carro. Eles continuaram metendo tiros. Mais de 30, de fuzil, pistola — afirmou.
Rangel conta que também precisou deitar para se proteger. E, mesmo sem enxergar a pista, conseguiu conduzir o carro até o acostamento.
— Eu falei que "aqui tem família, aqui tem família". Eles falaram: "Vocês atiraram na gente". Eu falei: "Nem arma eu tenho. Como eu vou atirar em vocês se nem arma eu tenho? Eu só tenho família" — contou ele.
Ele conta que viu muito sangue na camisa do filho e acreditou que era o adolescente que tinha sido atingido.
— Eu fui olhar. Vi que tinha acertado a cabeça da Juliana. Estava saindo sangue pra caramba — lembrou.
De acordo com ele, o agente da PRF colocou a mão na cabeça se lamentando.
— Ele deitou no chão e disse: "Que merda eu fiz, que merda eu fiz?" — disse Rangel.
O pai de Juliana também se feriu. Estilhaços de um dos tiros acertaram o dedo dele. Ele recebeu atendimento médico e foi liberado. No entanto, ele afirma que também poderia ser atingido na cabeça, se não tivesse deitado no banco:
— Depois a perícia viu que tinha marca de dois tiros no encosto do banco. Falaram que eu tive sorte de estar vivo.
Justificativas
Na hora dos tiros, Rangel achou que os policiais eram criminosos disfarçados de agentes da PRF e que chegou a ouvir que os disparos foram dados porque o seu carro era parecido com o de um suposto veículo que havia atirado anteriormente contra outra viatura da PRF.
— Eles tinham falado que tinham disparado contra eles, mais atrás. Depois falaram que era outro Siena que tinha disputado e que estava em perseguição. Toda hora contam uma história — afirmou.
De acordo com ele, ninguém da Polícia Rodoviária Federal o procurou para prestar apoio. Segundo a PRF, os agentes envolvidos na ocorrência foram afastados e o órgão abriu procedimento interno para apurar os fatos. O caso ocorreu no mesmo dia em que o governo federal publicou decreto para regulamentar o uso da força policial em todo o país. O texto prevê que a arma de fogo só pode ser usada como último recurso pelos policiais.
O superintendente-geral da Polícia Rodoviária Federal (PRF), Antônio Fernando Oliveira, classificou o caso como "um evento traumático" e o superintendente da PRF no Rio, Vitor Almada, confirmou que a patrulha era feita por três agentes — dois homens e uma mulher — que portavam dois fuzis e uma pistola automática. Os nomes dos policiais não foram informados. Por isso, a reportagem não conseguiu localizar a defesa dos envolvidos.
Ainda segundo Almada, em depoimento, os policiais reconheceram ter disparado contra o carro por conta do que seria "um grave equívoco". Eles alegaram ter ouvido disparos e deduziram que tinham partido do veículo. O trio trabalha em funções administrativas, mas estava no patrulhamento por conta do plantão de fim de ano.
Jovem está internada
Segundo o pai, os agentes envolvidos na ocorrência não levaram a jovem para o hospital. Rangel diz que um policial militar apareceu na cena e sugeriu que a vítima fosse levada rapidamente para um hospital, sob o risco de morrer no local.
— Então, colocaram ela em outro carro da PRF que apareceu e levou ela — explicou o pai.
De acordo com a prefeitura de Duque de Caxias, Juliana está internada no Centro de Tratamento Intensivo do Hospital Municipalizado Adão Pereira Nunes, entubada e hemodinamicamente instável. "A paciente mantém o quadro gravíssimo", diz o comunicado.
Sem dormir direito, Rangel conta que a família está arrasada por tudo o que está acontecendo. A esposa, mãe de Juliana, não come e passou o dia sob efeito de remédios. Ele mantém as esperanças na recuperação da filha:
— Ela está entregue na mão de Deus.