Pouco antes das 14h30min do dia 6 de junho, uma terça-feira, agentes da Polícia Civil abordaram um homem na Estação Rodoviária de Porto Alegre. O passageiro aguardava para embarcar na plataforma 52, com destino ao Rio de Janeiro. O bilhete, no valor de R$ 551,60, tinha sido adquirido dois dias antes. Mas para o comprador, que, segundo a polícia, havia se apresentado como policial rodoviário federal, não teve custo algum. O suspeito de 62 anos foi preso em flagrante e, mais tarde, indiciado por estelionato.
Quando foi preso, Everton Luis Nunes Martins carregava a tiracolo uma bolsa preta. Nela, há o emblema da Polícia Rodoviária Federal (PRF). O suspeito vestia uma calça tática na cor cáqui — semelhante a usada pelos agentes. Na bagagem do investigado, a equipe da 3ª Delegacia de Polícia encontrou outros materiais. Entre eles, uma gandola, um boné, um cinto e uma camiseta com identificações da instituição policial. Havia ainda uma carteira que teria sido usada na compra das passagens.
— Ele apresentou uma carteira falsificada, de uma associação, na qual colocou a foto dele. A adulteração é grotesca — afirma a delegada Rosane de Oliveira.
Segundo a polícia, no momento de realizar a compra o falso policial mostrava a carteira, mas não permitia que os atendentes na rodoviária pegassem o documento em mãos. Quando abriram a carteira de couro, os policiais descobriram papeis impressos colados sobrepostos numa suposta tentativa de adulterar a identificação. O documento pertence a uma associação de policiais rodoviários com sede em Petrópolis, cidade da região serrana do Rio de Janeiro.
— Qualquer pessoa que pegasse a carteira na mão ia ver que era uma falsificação. Por isso, ele não largava — ressalta a delegada.
Além das fardas, bottons e plaquetas, foram apreendidos outros materiais impressos, como folders, com informações sobre a PRF. A polícia ainda apura como o suspeito teve acesso a esses itens, mas se tratam de publicações antigas. Não foi encontrada com o preso nenhuma arma. Havia ainda uma porção de cocaína. A investigação fez contato com a PRF que, segundo a delegada, informou que o investigado nunca fez parte dos quadros do policiamento. O suspeito não possuía nenhum antecedente.
Viagens repetidas
Um dos pontos que levantou suspeitas sobre o investigado foi o fato de ele viajar repetidas vezes para o mesmo destino: o Rio de Janeiro. O homem, segundo a polícia, teria embarcado pelo menos cinco vezes de Porto Alegre em direção à capital carioca nos últimos dois anos. Uma das viagens foi realizada pouco antes do último Ano Novo. Em 29 de dezembro, às 13h, o passageiro teria embarcado para o Rio. Ocupou o assento 43, e usou um bilhete que teria o custo de R$ 497,42 sem a isenção para policial.
— Ele tinha realmente um comportamento de policial rodoviário. Mas ia muito para o Rio de Janeiro. Isso fez com que a empresa suspeitasse — explica a delegada.
A investigação apurou que, apesar de ser natural de Porto Alegre, onde ainda mantém familiares, o investigado teria residência no Rio de Janeiro. Esse seria o motivo das viagens repetidas. Os policiais passaram a monitorar o suspeito, até que ele fez uma nova tentativa de embarque. Foi quando ele acabou preso em flagrante.
Após ser detido, ele mostrou aos policiais fotografias nas quais aparece em frente a postos da PRF e outras onde está com o fardamento da instituição. Ao ser preso, segundo a delegada, o homem chegou a afirmar que "estava há 30 anos nessa função". Isso levou a polícia a suspeitar que ele possa vir agindo há mais tempo.
— A gente não sabe que tipo ações ele teve nesse período. O policial representa o poder do Estado, neste caso a força da União. Não sabemos se ele fez uso desse poder, ao longo desses 30 anos, em razão desse comportamento dele. O que sabemos neste momento é que ele se aproveitou isso para viajar de graça, auferir vantagem sobre a empresa de ônibus que fornecia a passagem — afirma a delegada.
Quando foi levado à delegacia, o homem preferiu permanecer em silêncio. Ele foi preso em flagrante, mas atualmente responde em liberdade. A carteira apreendida foi encaminhada para análise do Instituto-Geral de Perícias (IGP). A Polícia Civil indiciou o investigado por estelionato, uso de documento falso e posse de entorpecentes.
Contraponto
No dia em que foi autuado em flagrante, Martins foi assistido por um advogado, mas, segundo a polícia, o mesmo foi destituído posteriormente. A Defensoria Pública do Estado informou que ainda não chegou ao conhecimento nenhum atendimento em nome do indiciado, e, em razão disso, não pode se manifestar. Na Polícia Civil, o investigado optou por permanecer em silêncio sobre as suspeitas.