Um dos momentos mais esperados do júri do caso Rafael ocorre nesta quarta-feira (18). Alexandra Dougokenski, 35 anos, acusada de matar o filho Rafael Winques, 11, em Planalto, no norte do Estado, prestou depoimento diante dos jurados. A ré voltou a afirmar que o autor do crime é o pai da criança, Rodrigo Winques — a Polícia Civil e o Ministério Público dizem que ele não tem relação com o homicídio e que não estava na cidade quando o menino foi morto.
Alexandra chegou ao Fórum de Planalto por volta das 8h10min, em uma viatura da Polícia Penal. A mãe dela, Isaílde Batista, o irmão dela, Alberto Cagol, e o filho, Anderson Dougokenski, 19, irmão de Rafael — que na terça foram depoentes, na condição de informantes —, nesta quarta assistem ao julgamento, no plenário. A oitiva da ré começou por volta de 9h30min, pois ela passou um tempo conversando com seus advogados em uma sala reservada.
A ré optou por não responder a perguntas do Ministério Público, o que já era esperado pelos promotores do caso. Assim, foi confrontada somente com questionamentos da juíza e da própria defesa.
A juíza Marilene Parizotto Campagna pediu que Alexandra fizesse um relato do que ocorreu em 15 de maio de 2020, quando Rafael desapareceu. Com diversas pausas e chorando a todo o momento, ela disse que tinha sido uma noite "tranquila", mas que não imaginava que "a vida seria destruída".
— Naquela madrugada, sem que ninguém imaginasse, nossa vida ia ser destruída — disse a ré.
Alexandra diz que não lembra exatamente o horário, mas relata o que diz ter ocorrido por volta das 2h:
— Pela janela do quarto, vi a luz de um veículo. Este veículo parou em frente à minha casa. Logo em seguida, escutei barulho na porta e saí do meu quarto para ver quem estava mexendo na porta. Liguei a luz de fora e vi que era o Rodrigo (Winques, ex-companheiro dela, pai de Rafael). Abri a porta, ele me pediu para desligar a luz de fora, e perguntou pelo Mateus. Ele não chamava meu filho pelo nome. Eu disse que aquilo não era hora de ele ver o Rafael, mas ele insistiu. O Rafael saiu do quarto, vestindo a camiseta. E o Rafael veio e me abraçou por trás e aí o Rodrigo puxou ele para perto dele e pegou o Rafael no colo. Disse para mim que ia levar o Rafael com ele. Eu disse que não, que meu filho ele não ia levar.
Na versão anterior à Justiça, durante audiência em dezembro de 2020, Alexandra havia afirmado que Rafael lhe disse que o pai ia vê-lo naquela noite, o que ela não repetiu em seu interrogatório nesta quarta, durante o júri.
— Quando ele se afastou um pouco de mim com o Rafael, o Rafael apontou com o dedinho para eu olhar para o lado. Neste instante, avistei outra pessoa que estava com o Rodrigo. Esta pessoa se aproximou de nós e me segurou pelo braço — continuou.
Enquanto isso, o menino se debatia e, segundo Alexandra, Rodrigo tirou uma corda de dentro da jaqueta e tentou amarrá-lo — até asfixiar a criança.
— A pior lembrança que eu tenho foi quando ele começou a amarrar meu filho, e acho que meu filho tava sentindo que ia morrer, porque começou a gritar, começou a se debater, e ele dizia para ele: "Não, pai, isso não, pai, para, pai". Foi o único momento em que vi meu filho chamar ele de pai.
— Foi coisa de instantes. Meu filho começou a se debater muito e logo em seguida ele parou — relatou.
Segundo a ré, ela foi obrigada a colocar as coisas do filho, como os óculos, dentro da caixa de papelão onde o corpo da criança foi depositado, em uma casa ao lado da residência onde eles moravam.
— Ele me disse a todo momento que se eu contasse alguma coisa ele ia voltar e matar toda a minha família. Ele sempre disse para mim que ia me deixar sozinha, que eu não ia ter ninguém. Só ia depender dele.
Questionada pela juíza sobre por que decidiu, 10 dias depois, indicar a localização do corpo e assumir a autoria do crime, Alexandra respondeu:
— Eu não estava mais aguentando ver meu filho. O Anderson estava definhando nesses últimos dias. Anderson já não dormia, já não comia. Eu via a minha mãe em desespero. E aí, para acabar todo o sofrimento deles, quando eu estive na delegacia eu acabei falando isso.
Outras acusações
Questionada pela juíza sobre o medicamento encontrado no corpo de Rafael, a mãe narrou que deu o remédio do tio para o menino dois dias antes, porque ele dizia que não conseguia dormir e que só queria ficar brincando e jogando.
A ré relatou ter dito ao filho que tudo estaria fechado em razão da pandemia e, por isso, decidiu dar o remédio do tio da criança, que pegou na casa onde ele morava com a mãe, em frente à residência da família.
Na outra versão relatada à Justiça, Alexandra havia dito que pegou dois comprimidos e deixou sobre a mesa, e que o menino tomou sozinho.
Em relação à ocultação do corpo de Rafael, uma das acusações feitas a Alexandra, a ré disse que apenas acompanhou Rodrigo ao local onde foi encontrado o corpo.
A mãe disse querer "se retratar" com todos que a ajudaram na busca pelo filho e rebateu as afirmações de que estava fria, sem reação, logo após o desaparecimento.
— As pessoas que tratam de mim como frieza, eu posso dizer que, no lugar da frieza, tem um coração destruído. Um coração calejado. Eu já não suporto mais tanto sofrimento. Eu não aguento mais sofrer — disse, emocionada.
Relacionamento com Rodrigo
Conforme Alexandra, o filho Rafael não tinha boa relação com o pai. Ela afirma que viveu um relacionamento abusivo com Rodrigo Winques e que sofreu durante todo o período.
— Eu sofria muito abuso dele. Eram abusos constantes. Não tinha opção de escolha se queria ou não ter relação com ele. Eu sofria muito por causa dele. Ele me mantinha longe da minha família, eu não tinha contato com ninguém — afirmou Alexandra.
Perguntas da defesa
Logo no início dos seus questionamentos, a defesa perguntou a Alexandra sobre a data de nascimento, peso ao nascer e tamanho de roupas dos filhos. Na tarde anterior, quando questionado, Rodrigo não soube dizer o dia do aniversário de Rafael. Ela disse ainda que teve uma gravidez difícil e que o ex-companheiro não permitia que ela tivesse acesso aos médicos.
Questionada sobre uma fala de Rodrigo, de que Rafael teria dito que gostaria de morar com o pai quando completasse 12 anos, Alexandra negou.
— Essa história não tem nenhum fundamento.
Alexandra relatou que a confissão que fez à polícia foi forçada pelos delegados Ercílio Carletti e Eibert Moreira Neto — que também prestaram depoimentos como testemunhas. Naquele dia, ela disse que foi transportada do presídio antes do interrogatório e ficou sem alimentação no horário do meio-dia.
— Depois me fizeram entrar numa sala com eles, só com os dois. Lá nessa sala, aquele dia naquela sala foi assim: muito constrangimento. Foi muito, muito constrangimento. Primeira coisa que eles queriam saber é se eu era garota de programa, se eu tinha vontade de ser. Posso dizer que até assediada eu fui naquele dia.
Segundo Alexandra, os delegados citaram possíveis consequências para o filho Anderson caso ela não confessasse o crime:
— Depois começaram a me relatar tudo o que eu ia falar naquele dia. Que ia ter que mudar meu depoimento. E se eu não desse aquele depoimento, Anderson ia para um orfanato ou ia ser morto. (...) A todo o momento eles estavam na minha cabeça. A todo o momento batiam na tecla do Anderson.
A ré também explicou sobre as pesquisas em seu celular ao "boa noite, cinderela", substância usada para dopar alguém — ela havia feito pesquisas sobre isso em seu telefone, conforme conteúdo extraído. Ela disse ter visto sobre essa substância em uma novela e, por isso, decidiu ver o que era.
Alexandra, chorando muito, disse que o Rodrigo teve a "cara de pau" de ir no velório de Rafael, enquanto ela e a família não puderam se despedir. Ela ainda disse que ele não teve coragem de estar à frente dela — a acareação que estava prevista inicialmente não vai mais acontecer.
— Ele é tão cara de pau que não tem coragem de estar na minha frente, na minha cara. Porque eu queria ele aqui hoje na minha cara, olhando para a minha cara. Esse bandido e assassino infeliz. Ele não tem o direito de abrir a boca e dizer que ele é pai do meu filho. Não tem esse direito. Não tem.
Por volta das 11h45min, a juíza anunciou intervalo até 13h30min.
Acusada pede a prisão de Rodrigo
Após o intervalo, Alexandra falou por mais meia hora. Ela voltou a culpar Rodrigo Winques pela morte, mas disse acreditar que ele não tinha a intenção:
— Foi o momento (quando o menino parou de respirar) que acho que Rodrigo ficou sem saber o que fazer. Acho que não era a intenção dele fazer uma coisa daquelas. A intenção era levar o Rafael para eu ir atrás depois.
A mãe de Rafael pediu a prisão de Rodrigo e disse que quer retornar para cuidar de sua família.
— Eu queria muito pedir para as pessoas me ajudarem a colocar o assassino do meu filho atrás das grades. Não sou eu que tenho que estar passando humilhação, não é a minha família, que está sofrendo. Eu tenho culpa? Tenho, doutor Jean (Severo, advogado). Mas ele não pode ficar impune. Foi ele que tirou a vida do meu filho, não pode estar bancando o pai, coisa que ele nunca foi — disse. — Eu quero muito voltar para a minha família para poder cuidar da minha mãe, para poder voltar a cuidar do meu filho. Não é justo. Eu peço pelo meu filho, para ele descansar em paz, que esse homem que tirou a vida dele pague pelo que fez. Porque eu não matei meu filho — continuou.
Logo após pedir a prisão de Rodrigo Winques — que não é réu no processo —, Alexandra se contradisse e afirmou que não deseja a prisão para ninguém:
— Não desejo essa vida de prisão para ninguém, para ninguém. É muito sofrimento ficar longe da família da gente. Eu não desejaria nem para o Rodrigo a prisão, na verdade. Não consigo ter raiva dele. Tenho pena dele.