Dois policiais militares do 20º Batalhão de Polícia Militar viraram réus na Justiça pelo assassinato de um rapaz de 20 anos em uma abordagem na zona leste de Porto Alegre. Segundo o Ministério Público (MP), os soldados Ricardo Almeida da Silva e Wagner Leandro Correa promoveram uma sessão de espancamento que progrediu para um esganamento da vítima após uma abordagem. A defesa dos agentes nega participação.
O fato ocorreu em 26 de dezembro de 2019. Segundo a denúncia, a vítima, Breandal Michel Dorneles, estava em uma rua do bairro Bom Jesus, onde morava, quando foi abordada pelos policiais. Os dois soldados teriam solicitado o telefone do rapaz, mas ele teria atirado em algum local inacessível para os agentes. Mediante isso, diz o MP, o jovem foi colocado em uma viatura da Brigada Militar.
A denúncia, assinada pelo promotor Luiz Eduardo de Oliveira Azevedo, detalha que os PMs prosseguiram com a vítima dentro do carro até o Beco Souza Costa, já no bairro Jardim Carvalho, um espaço ermo às margens de um córrego. No local, teriam tido início os ataques físicos, por volta das 14h.
— Levaram ele para um canto e um dos policiais espancou, espancou, espancou. Deu uma camaçada de pau, algo tenebroso — comenta o promotor.
Uma testemunha que estava no local, no entanto, viu o fato e contou às autoridades. Segundo o relato que consta na investigação, um PM atacava enquanto o outro só olhava.
— A vítima dizia assim: "senhor, eu não tenho nada" e o brigadiano espancando de uma forma sádica, algo indescritível, teratológica, monstruosa — prossegue Azevedo.
O promotor ainda detalha que o espancamento seguiu até o momento em que Breandal desmaiou, quando o mesmo policial teria usado as mãos para o matar por esganadura.
O Ministério Público informa que os laudos, feitos pelo Instituto-Geral de Perícias (IGP), indicam que o rapaz foi também atingido por golpes de cassetete, pela forma com que ficaram as lesões.
— A coisa foi tão violenta que a perícia fala que depois que espancou, que esganou, ele continuou espancando. Tem lesões pós-mortem. Isso significa que essa pobre vítima tinha morrido e continuou levando os golpes de cassetete, que geraram afundamento craniano _ descreve o membro do MP.
A vítima dizia assim: "senhor, eu não tenho nada" e o brigadiano espancando de uma forma sádica, algo indescritível, teratológica, monstruosa
LUIZ EDUARDO AZEVEDO
Promotor de Justiça de Porto Alegre sobre crime supostamente cometido por dois policiais
Os dois policiais foram denunciados por homicídio doloso com as qualificadores de meio cruel, recurso que impossibilitou a defesa da vítima e motivo torpe. A juíza Cristiane Busatto Zardo, da 2ª Vara do Juri do Foro Central, recebeu a denúncia em 1º de julho.
Os soldados cumprem prisão domiciliar. Inicialmente temporária, a prisão deles se tornou preventiva em março.
"Caso entre os mais graves da carreira"
O promotor está há 30 anos no Ministério Público, sendo 10 na Justiça Militar, e diz que esse crime é um dos mais violentos e graves que já viu em sua carreira envolvendo policiais. No entanto, entende que esse "não é um padrão da Brigada Militar" e o que ocorreu foi "um ponto fora da curva".
Conforme informou a Polícia Civil, o rapaz não tinha antecedentes criminais graves. A suspeita que os investigadores levantaram no inquérito é que os PMs achavam que ele conhecia alguém ligado ao tráfico na região e, com isso, queriam descobrir onde estavam escondidas as drogas.
De família humilde, Breandal havia começado a trabalhar havia pouco tempo como entregador para um aplicativo de refeições. A bicicleta havia sido dada por familiares para que ele começasse na nova função. Antes, trabalhou por um período como caixa de um supermercado.
A família do rapaz vai entrar com um processo contra o Estado em razão da execução do jovem, levando em conta de que foi cometida pelos brigadianos em serviço, conforme a denúncia do MP. O advogado Rodrigo Rollemberg Cabral representará os parentes e também vai se oferecer como assistente de acusação no processo criminal.
— A Brigada Militar, que é um órgão que respeito, não poderia deixar isso ocorrer. Quando vemos a farda, deveríamos nos sentir seguros, não com medo. É inexplicável esse fato, uma morte por sufocamento, esganadura. Vamos fazer de tudo para que haja Justiça — adianta o advogado.
GaúchaZH procurou a Brigada Militar para verificar como está a investigação interna contra os soldados. Em nota, a corporação disse que a investigação "foi conduzida pela Polícia Civil, com apoio da Corregedoria-Geral da Brigada Militar" e que "os PMs seguem a disposição da Justiça, monitorados por tornozeleiras eletrônicas". Acrescentou que "os soldados estão agregados à Instituição, que irá submetê-los a Conselho de Disciplina".
Defesa de PMs nega acusação
O advogado David Leal, que representa os policiais, argumenta que "não há elementos que comprovem a autoria do crime, tampouco existe prova de que os responsáveis teriam sido os policiais".
O defensor ainda diz que os dois policiais se declararam inocentes:
—A defesa considera que os militares foram denunciados porque uma testemunha, inicialmente, e de forma muito confusa, reconheceu um dos policiais militares e o outro ela ficou em dúvida. Outra testemunha, que é de certa forma “suspeita”, apresentou duas versões completamente conflitantes, provavelmente para não ser responsabilizada criminalmente e não responder ao processo criminal —prossegue Leal.
O advogado ainda pondera que, no seu entendimento, "as provas periciais não indicam a autoria" e a informação dos golpes com cassetete seriam suposição.
— Temos testemunhas que serão ouvidas no momento oportuno e que desqualificam a versão da denúncia — finaliza.