A 3ª Promotoria do Júri de Porto Alegre vai entrar com recurso no Tribunal de Justiça (TJ) para que Marcelo de Oliveira Bueno, 38 anos, volte a ser preso. Réu pelo feminicídio da companheira, Débora Forcolén, 18 anos, o empresário foi solto na última terça-feira (22) após decisão do Judiciário.
Para o promotor José Eduardo Corsini, a liberdade do empresário representa riscos ao processo. Em entrevista a GaúchaZH, afirmou que o tempo em que Bueno ficou preso — pouco mais de um ano e três meses — não fez com que sua personalidade "ofensiva" mudasse.
— Não foi o tempo que mudou a personalidade, a capacidade ofensiva dele, já reconhecida em diversas decisões judiciais. A violência doméstica tem a característica de ter pouco testemunho e ele pode tentar influenciar — declarou o promotor.
Conforme Corsini, a periculosidade de Bueno é demonstrada de forma clara em provas contidas no processo. A maior parte é de testemunhas — familiares de Débora — que contaram para as autoridades sobre um histórico de violência doméstica.
Em um dos casos, segundo o promotor, Débora esteve na casa de um familiar com um olho roxo. A mulher teria perguntado o que havia acontecido e Débora não teria contado a verdade, conforme o MP.
— A pessoa aparece com olho roxo e ela diz que bateu em um armário. Situação típica de violência doméstica — disse o promotor.
Ainda segundo Corsini, o MP encontrou outros registros de ocorrências de crimes contra mulheres que teriam sido praticadas por Bueno.
— Responde a outros processos por violência doméstica. E existem depoimentos nos autos que apontam a agressividade dele, inclusive e especialmente, em relação à vítima que acabou sendo morta — declarou.
O recurso em sentido estrito deve ser impetrado nesta sexta-feira (25) no TJ. A ação vai ser julgada por uma turma de desembargadores, ainda sem prazo definido. Até lá, o empresário não poderá ser preso novamente em função do processo, a não ser que descumpra as medidas cautelares impostas pela juíza.
Defesa diz que soltura tem assinatura do MP
Um dos advogados que compõe a banca que defende Bueno, Rodrigo Grecellé Vares disse que a culpa pela soltura de seu cliente é "única e exclusivamente do Ministério Público", por até hoje não ter feito a extração de dados do celular do réu. O trabalho, originalmente, deveria ser feito pelo Instituto-Geral de Perícias (IGP), o que não ocorreu. O MP se comprometeu em fazer, mas também não conseguiu. Além de Vares, Ezequiel Vetoretti representa o réu.
— Está claro na decisão que revogou a prisão preventiva. Desde o início da instrução, a autoridade policial determinou que realizasse a extração dos dados dos celulares do Marcelo e da Débora. Transcorrido mais de um ano, o celular do Marcelo ainda não teve os dados extraídos, o que impossibilitou o interrogatório do réu — afirmou Vares.
Para o advogado, gera "estranheza o Ministério Público querer recorrer da decisão se foi o próprio MP que deu causa à decisão da liberdade". Sobre a autoria do crime, a defesa voltou a argumentar que o disparo foi acidental.
A Promotoria alega que a extração dos dados do celular de Bueno não é a prova essencial para o processo e a inclusão deste documento poderia ser feita a qualquer momento.
Juíza entendeu que réu não representa mais risco
A decisão que permitiu que o empresário deixasse a prisão é da juíza Lourdes Helena Pacheco da Silva, da 3ª Vara do Júri do Foro Central. Em seu texto, declarou que as provas colhidas eram suficientes para o recebimento da denúncia, mas não para mantê-lo detido. Segundo ela, a prisão preventiva é uma "medida extrema, de efeitos muito mais severos sobre a pessoa do acusado".
A magistrada pontuou que o réu não apresenta mais ameaça "à ordem pública ou turbe a instrução do processo". Levou em conta que o réu não tem antecedentes criminais graves, o que afasta a "alegação de periculosidade".
Apesar de solto, o empresário terá de cumprir medidas cautelares impostas pela Justiça: apresentação mensal em juízo para informar e justificar suas atividades, manter endereço atualizado, proibição de se ausentar de Porto Alegre por prazo superior a cinco dias e obrigação de permanecer em casa no período noturno, das 20h às 6h, inclusive em finais de semana, feriados e dias de folga.
A juíza levou em conta o fato de que até hoje não foi finalizada a perícia no celular do réu.
"Ocorre que até o momento o trabalho pericial não foi realizado", diz trecho do despacho que ainda afirma ter notificado a Promotoria duas vezes.
Relembre o crime
Débora Forcolén, 18 anos, foi encontrada morta no dia 31 de maio, um feriado de Corpus Christi, dentro da casa em que morava com o empresário, no bairro Farrapos, na zona norte de Porto Alegre. A Brigada Militar foi avisada do crime às 16h20min. No chamado, os policiais foram informados de que havia uma mulher ferida com um tiro no rosto dentro de uma casa na Rua Jayme Tolpolar. Ao chegarem, encontraram a vítima já morta, em cima de um sofá, com uma mancha de sangue no chão da casa.
Bueno confessou o homicídio aos policiais. Disse que retirou o carregador de uma pistola calibre 380 próximo da vítima e pressionou a arma, sem saber que ainda havia uma bala na câmara. Com isso, o tiro atingiu a mulher e a matou.
Familiares da vítima contestavam a versão, relatando um histórico de agressões e ameaças do empresário. Ele foi preso, mas libertado menos de 24 horas depois. O homem só foi detido novamente em julho daquele ano, no Paraná.
Houve uma diferença de entendimento entre a Polícia Civil e a Promotoria. Inicialmente, a investigação indiciou o homem por homicídio com dolo eventual — quando o autor assume o risco dos seus atos, mas não necessariamente tem o objetivo do resultado causado por ele. A 2ª Delegacia de Homicídios concluiu que o homem assumiu o risco que poderia causar ao brincar com uma pistola apontada contra a cabeça de sua esposa.
Para o promotor de Justiça Eugênio Paes Amorim, que assina a denúncia, Marcelo de Oliveira Bueno praticou o homicídio por motivo torpe, utilizando recurso que dificultou a defesa da vítima. Ele deverá responder por feminicídio, que é o crime praticado por violência de gênero.