A clínica de tratamento de dependentes químicos, interditada em operação na segunda-feira (30), operava sem alvarás de funcionamento, Plano de Prevenção Contra Incêndios (PCCI) e ainda sem condições de higiene, conforme o promotor Michael Flach. Mais de 50 pessoas estavam internadas no estabelecimento, que funcionava em três endereços diferentes.
Na operação conjunta entre Ministério Público, Polícia Civil, Bombeiros e órgãos da prefeitura, 12 pessoas foram presas e um adolescente, apreendido e, depois, liberado. Entre os detidos, está o coordenador terapêutico da clínica, Darlon Carvalho Rodrigues, a mãe dele e atual presidente da associação, Nelci Carvalho Rodrigues, além de um irmão de Rodrigues, que não teve o nome divulgado.
Os detidos seguem aguardando abertura de vagas em presídios nas Delegacias de Pronto Atendimento (DPPA) de Novo Hamburgo e São Leopoldo, no Vale do Sinos.
A clínica está sendo acompanhada desde 2012, quando os donos assinaram um Termo de Ajustamento de Conduta (TAC) com o Ministério Público. A instituição descumpriu uma série de prazos para apresentação da documentação para funcionamento. A última data limite foi no começo de julho.
Somado a isso, chegaram ao conhecimento das autoridades denúncias de maus-tratos que passaram a ser investigadas pela Polícia Civil.
— Foram feitas várias tentativas para regularizar (a clínica), teve que ser feita até ação judicial, mas não surtiu efeito. Como não veio nenhuma documentação e como tinha suspeitas de irregularidades, passamos a montar essa operação — salienta o promotor.
Na terça-feira, a força-tarefa foi primeiro em uma sede da clínica no zona rural da cidade. Lá encontraram seis internos. A maior parte dos pacientes, outros 39, estava em outro endereço, no Centro da cidade.
— Conseguimos apreender cinta de contenção, foi possível apreender lanterna multiuso, que dá choque — observa o promotor.
Nos endereços também foram localizados medicamentos vencidos, diversos cartões de benefícios que estavam na posse dos donos, indicando que os documentos eram mantidos com eles, como forma de pagamento.
— Um interno revelou que foi obrigado a contrair em empréstimo e estava por ser liberado. Agora, vamos rastrear.
Duas pessoas foram encontradas com sinais de maus-tratos, com costelas quebradas e machucadas. Uma delas teve que sair do local em uma maca. Uma terceira, de 31 anos, que recém havia sido agredida, foi escondida às pressas dos policiais e está desaparecida.
Conforme o delegado Rafael Sauthier, responsável pelas investigações, foi identificado que no local ocorriam sessões de tortura e cárcere privado.
—A pessoa só pode ficar internada por vontade própria ou, sem a vontade própria, mas com ordem judicial ou com determinação médica junto à família. Ali, o que acontecia? Eles mantinham as pessoas em cárcere privado sem essas condições, inclusive, muitas vezes até, por questões financeiras. Então, para a pessoa sair eles exigiam o pagamento de uma multa, que, às vezes beirava 60% do valor do contrato e, se a pessoa não pagava, eles mantinham ela ali, por questões financeiras. E isso é um absurdo, não é? O que deu para entender é que as torturas ocorriam em casos de desobediência, como fugas, uma espécie de correção ou punição — complementa o promotor.
Os internos, segundo o delegado, não eram obrigados a trabalhar. Porém, há relatos que eram induzidos a cometerem furtos ou ainda atuar em crimes de receptação. Três vítimas, de 23, 24 e 36 anos, foram ouvidos pelos policiais.
Os internos retirados do estabelecimento foram levados para as clínicas Rê Significar, em Gravataí, Restitui, em Novo Hamburgo, e Vida nova e Razão de Viver, em Sapiranga.
O que a diz a defesa dos presos
O advogado Rafael Guerreiro Noronha disse à GaúchaZH que vai ingressar nesta terça-feira (31) com pedido de soltura dos 12 presos que representa. Ele salientou que ainda não teve acesso aos autos da investigação. Entretanto, foi informado pelo coordenador terapêutico da clínica que a unidade funcionava "com toda a legislação pertinente".
— Nesse primeiro momento meus clientes negam a autoria. Pelas informações recebidas, as investigações se iniciaram com denúncias anônimas de internos compulsórios — frisou Noronha.