Passados três meses do início de uma mobilização para chamar a atenção para a onda de assaltos na região do Campus da Saúde da UFRGS, pouco mudou no cenário da Rua Ramiro Barcelos, na zona central de Porto Alegre. Os relatos de universitários nas redes sociais, antes diários, passaram a ser mais espaçados, as reuniões envolvendo autoridades cessaram e até o cartaz pendurado junto à parada de ônibus da Farmácia Popular, que indicava "zona de assaltos", sumiu.
O arrefecimento da mobilização não significa que os crimes tenham acabado. A sensação entre os estudantes é de que o burburinho criado com o grupo "Crimes da Ramiro" no Facebook surtiu efeito imediato, com presença mais constante da Brigada Militar nas imediações, mas, passados três meses, a situação voltou ao que era antes.
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Na percepção da criadora do grupo "Crimes na Ramiro", Fernanda Bellini Pinto, 31 anos, um dos motivos para a mobilização de alunos e professores, que chegou a extrapolar as redes sociais e concretizar uma assembleia com diferentes cursos, incluindo presença da BM e representantes da UFRGS, perdeu força com o passar do tempo porque as pessoas não viram consequências práticas.
– Por um tempo, as pessoas tentaram, marcaram assembleias... mas a Brigada dizia que não podia fazer nada, acho que as pessoas foram desistindo – afirma a estudante de Relações Públicas.
Ouça relatos de vítimas de assaltos na região do Campus Saúde*:
*os nomes foram preservados para garantir a segurança
Já o aluno de Psicologia de 20 anos que, na reportagem de abril de ZH contou que foi prensado contra uma grade e ameaçado por uma dupla que portava uma arma e uma faca de churrasco durante um roubo (ASSISTA NO VÍDEO ACIMA), acredita que, se houve alguma mudança, foi na postura dos universitários.
– O pessoal está andando menos nas ruas, fazendo caminhos mais longos por dentro das grades, gastando mais com Uber/Cabify, arranjando caronas, etc. É bem triste isso. Os convívio |com as pessoas mudou bastante – lamenta.
Números apontam para aumento de roubos a pedestres
Dados divulgados pelo 9º Batalhão da Brigada Militar (BPM) apontam que 18 roubos a pedestres ocorridos somente na Rua Ramiro Barcelos (em toda sua extensão, da Avenida Ipiranga até a Rua Voluntários da Pátria) foram registrados na polícia em maio e em junho deste ano – uma média de um caso a cada três dias.
Na comparação com o mesmo período do ano passado, o número representa aumento de 63% nesse tipo de crime – o mais comum na região. Enquanto isso, as ocorrências de roubo e furto de veículo caíram na Ramiro Barcelos. Foram seis em maio e junho de 2016, contra dois no mesmo período deste ano.
Para o comandante do 9º BPM, tenente-coronel Eduardo Amorim, a explicação está no fato de que, pelo fato de no roubo a pedestres os valores dos bens costumam ser menores, as vítimas não avisam a Brigada na hora e, quando registram o caso, demoram até dias e fazem isso na delegacia presencial ou online.
– Se a pessoa demora mais de uma hora para avisar a gente, já não tem mais como prender. Precisa ligar na hora para o 190 e passar as características – reforça Amorim.
O padrão de atuação do 9ºBPM é de realização de abordagens, ou seja, parar suspeitos na rua, verificar se portam itens roubados ou drogas e, ainda, registrar em imagens. O procedimento ajuda na identificação pelas vítimas. Conforme o oficial, a avaliação é de que a maioria dos criminosos que atua na Ramiro Barcelos é composta procurados pela Justiça.
Das promessas, o que foi feito?
Após a assembleia-geral realizada no dia 24 de abril, o estudante de Relações Públicas Davi Guilherme publicou uma espécie de "lista de promessas", com os acordos estabelecidos entre autoridades e estudantes e professores da UFRGS. Abaixo, veja o que foi prometido e o que se concretizou (ou não):
EPTC
Promessa: entre as possibilidades esteve a retirada da parada de ônibus em frente à Farmácia Popular (que vai ser fechada em dezembro) e a colocação de outras duas: uma em frente ao portão da Psicologia e outra perto da Odontologia. Além disso, foi sugerido melhorar a iluminação das paradas da Ipiranga.
O que aconteceu: a EPTC disse que não tem registros de presença de representantes a reunião. No entanto, disse que "vai avaliar a possibilidade de implantação de paradas com iluminação (tipo Parada Segura)" na Ramiro Barcelos. Mas ressalta que, no momento, não tem esse tipo de parada em estoque, por isso teria de fazer um investimento, e que tem de estudar a colocação, já que elas ocupam mais espaço na calçada. Na Ipiranga, esse tipo de parada teve ajuda financeira da Caixa.
Com relação à iluminação nos pontos da Ipiranga, a EPTC informa que, após o pedido de informações de ZH, realizou vistoria nas paradas da avenida na noite de terça-feira (11) e verificou a falta de apenas duas luminárias nas proximidades da UFRGS. Garantiu que já foram substituídas.
BRIGADA MILITAR
Promessa: a BM pediu que as vítimas informem a polícia imediatamente após alguma ocorrência para que uma viatura faça buscas nos arredores. O 9º BPM explica que a Brigada não faz ronda ostensiva por precaução, mas que age a partir de denúncias.
O que aconteceu: o comandante do 9º BPM, tenente-coronel Eduardo Amorim, informa que a BM faz patrulhamento e trabalha com abordagens, mas que não coloca policiais em pontos fixos, como em frente à UFRGS, pois com isso não resolve a situação, apenas transfere o problema para outro local. O comandante disse ainda, que diante da falta de informações no ato da ocorrência, tem "ido atrás" das pessoas, pesquisando em redes sociais, conversando e enviando imagens em grupos de WhatsApp e reforçando parcerias como com o Hospital de Clínicas, a partir da troca de informações. Por fim, afirma que o levantamento estatístico tem ajudado a reforçar policiamento nos pontos mais necessários.
SEGURANÇA DA UFRGS
Promessa: a coordenadoria de Segurança da UFRGS disse que está instalando câmeras no Campus Saúde e que, em breve, haverá um comando de monitoramento 24 horas interligado.
O que aconteceu: o setor não respondeu à reportagem até a publicação desta reportagem.
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Pesquisa sobre insegurança
A partir da mobilização nas redes sociais, os alunos do curso de Relações Públicas da UFRGS Leonardo dos Santos Rodrigues e Renata Karoline Kehl, orientados pela professora Elisângela Lasta, fizeram uma pesquisa. Após ouvirem 379 pessoas, chegaram as seguintes conclusões:
– 53,3% se sente "muito inseguro" ao comparecer ao Campus Saúde independente do horário
– 52,8% deixou de comparecer ao campus em algum momento devido à insegurança
– 96% alterou a rotina (deixar de pegar ônibus e utilizar transporte privado, passar a andar em grupos, entre outras)
– 92,3% já foi ou teve alguém próximo que foi assaltado na região do Campus Saúde