
Ives Cavalcante Passos (*) e Flávio Kapczinski (**)
Mudar o estilo de vida pode ajudar na depressão? A ciência diz que sim. E mais: algumas mudanças no estilo de vida podem prevenir o surgimento de sintomas depressivos. Vários estudos científicos publicados recentemente endossam a prática de atividades físicas, a higiene do sono, a cessação do tabagismo e do uso de outras drogas como estratégias para combater a depressão.
A prevalência de um episódio depressivo ao longo da vida nos grandes centros urbanos do Brasil é de cerca de 16,8%. Essa prevalência é maior entre estudantes universitários, chegando a 25%.
Além disso, indivíduos com transtornos mentais, incluindo a depressão, perdem, em média, 10 anos de vida produtiva em comparação com a população geral. Essa perda é atribuída principalmente à aposentadoria precoce por invalidez e a períodos prolongados de desemprego.
O impacto sobre o indivíduo, seus familiares e a sociedade é grande, mas felizmente o tratamento da depressão é efetivo. Hoje, sabe-se que vários medicamentos e estratégias de psicoterapia são eficazes. E a boa notícia é que esse conjunto de intervenções tem se ampliado, com as mudanças no estilo de vida ganhando um papel proeminente no combate a essa doença.
Atividades físicas
Entre as mudanças que podemos adotar no dia a dia, a prática de atividade física se destaca. Em 2024, uma meta-análise que incluiu mais de 218 estudos demonstrou que a prática de atividades físicas, incluindo caminhada, corrida, ioga e treinamento de força, ajuda a combater os sintomas depressivos. A indicação é praticar de 30 a 40 minutos de exercícios, três a quatro vezes por semana.
Além disso, a prática de atividades físicas também pode prevenir o surgimento de um episódio depressivo. Em comparação com adultos sedentários, aqueles que praticavam 2,5 horas por semana de caminhada rápida tiveram uma incidência 18% menor de depressão, enquanto os que praticavam cinco horas semanais apresentaram uma redução de 25% no risco.
Por outro lado, o sedentarismo é um fator de risco para o surgimento da depressão. O comportamento sedentário está associado a um aumento de 49% no risco de depressão em pessoas com mais de 60 anos.
Qualidade do sono
A qualidade do sono é outro fator muito relevante. A higiene do sono refere-se a um conjunto de práticas que visam melhorar a qualidade do sono, o que pode ajudar no tratamento da depressão.
Algumas dessas práticas incluem dormir e acordar em horários regulares, incluindo nos finais de semana; criar um ambiente propício para dormir (escuro, silencioso e com temperatura adequada); evitar o consumo de álcool e bebidas estimulantes, como café e chimarrão, à noite; evitar trabalhar ou fazer atividades físicas à noite; evitar o uso de dispositivos eletrônicos antes de dormir (caso venha a utilizá-los, substituir a luz branca ou azul do dispositivo pela luz amarela, laranja ou vermelha); evitar usar a cama durante o dia.
Uso de substâncias
Com relação ao uso de substâncias, o tabagismo e o consumo de álcool e maconha têm sido associados a uma piora dos sintomas depressivos. A relação entre essas substâncias e a depressão parece ser bidirecional, com alguns indivíduos as utilizando, de maneira equivocada, na tentativa de aliviar os sintomas. No entanto, o uso dessas substâncias tende a agravar o quadro e aumentar a suscetibilidade à depressão. A recomendação, portanto, é evitá-las.
Diante dessas evidências, nosso grupo de pesquisa tem se dedicado a estudar os fatores que influenciam a saúde mental, combatendo o estigma e promovendo a conscientização sobre saúde mental no Brasil. Constituímos a Rede Nacional de Saúde Mental, que conduz estudos inovadores que beneficiam a sociedade. Acesse renasam.com, informe-se, melhore seus hábitos de vida e participe da batalha contra a depressão.
(*) Psiquiatra, professor de Medicina da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS), integrante do Programa Novos Talentos da Academia Sul-Rio-Grandense de Medicina (ASRM) e membro afiliado da Academia Nacional de Medicina (ANM) e da Academia Brasileira de Ciências (ABC)
(**) Psiquiatra, pró-reitor de pesquisa e professor de Medicina da UFRGS. Membro titular da ASRM, da ANM e da ABC
Parceria com a Academia
Este artigo faz parte da parceria firmada entre Zero Hora e a Academia Sul-Rio-Grandense de Medicina (ASRM) em março de 2022. Uma vez por mês, o caderno Vida publica conteúdos produzidos (ou feitos em colaboração) por médicos da entidade, que completou 30 anos em 2020, conta com cerca de 90 membros de diversas especialidades (oncologia, psiquiatria, oftalmologia, endocrinologia, otorrinolaringologia etc.) e atualmente é presidida pela endocrinologista Miriam da Costa Oliveira, professora e ex-reitora da UFCSPA. Os textos são assinados por um profissional integrante do Programa Novos Talentos da ASRM, que tem coordenação do eletrofisiologista Leandro Zimerman, e por um tutor com larga experiência na área.