Quando atravessei a sala de espera do consultório de um colega obstetra, uma jovem com gravidez visível soluçava como se houvesse recebido a notícia de uma tragédia. Mas por que estaria chorando num local de notícias habitualmente boas? E, se alguma coisa saíra errado, não fazia muito sentido estar desacompanhada, num momento tão difícil. Voltei.
Com soluço reprimido, ela contou-me que se preparava para ter o primeiro filho, a avaliação do sexto mês mostrara que tudo estava perfeitamente bem, o desenvolvimento de um feto normal era tranquilizador. Mas, então, qual o porquê do choro? Acontece que, naquelas duas horas em que estivera na clínica, conversara com quatro outras pacientes, todas com pelo menos dois partos no currículo, e ouvira delas as histórias mais escabrosas, não ocorridas com elas mesmas - porque, sabe como é, a gente teve muita sorte! - mas que tinham escutado nos corredores dos hospitais e da vida.
Se considerarmos que aquele parto não podia mais ser evitado, pelo contrário, era um projeto de vida esperado com ansiedade, e que cada vez mais a expectativa de um parto normal se aproxima de 100%, o que move as pessoas ao exercício dessa crueldade gratuita?
Infelizmente, a maldade tem um grande número de adeptos que, por alguma razão, preferem se agrupar no Facebook, esse verdadeiro zoológico das reações humanas mais primitivas, compartilhadas com erros de português e nenhum indício de afeto
ou de respeito à privacidade.
Se tiveres interesse por análise comportamental, depois de ter feito uma colonoscopia como check-up (mesmo assintomático, se tens mais de 50 anos e ainda não fizeste, faça!), descubra um pólipo, que parecia inocente desde o início (o que acabou se confirmando pelo exame anatomopatológico).
Ou, se quiseres ser mais provocativo, por conta de uma dor no peito desencadeada por um exercício mais intenso, descubra um estreitamento de uma coronária e submeta-se à colocação de um dispositivo que impedirá o infarto. Tudo por cateterismo e com alta no dia seguinte.
Em qualquer das duas circunstâncias, volte a trabalhar imediatamente, até porque não há razão para ficares em casa, mas não deixes de prestar atenção no comportamento das pessoas. Os que realmente gostam de ti se acercarão, com a ansiedade de saber como de fato estás estampada na cara. Os menos afeitos à amizade farão de conta que não ficaram sabendo, mas comentarão com estranhos que estão arrasados com o infortúnio que te acometeu. E os desafetos assumidos, se tivessem coragem, criariam grupos de secação no WhatsApp. Não tendo, miram teu suposto precipício com aparente sofreguidão e falsa generosidade, ignorando que o exercício contínuo da maldade acaba fazendo com que o precipício, um dia, pisque para eles também, como já advertiu Nietzsche.
De qualquer maneira, perceberás que os boletins médicos, tão otimistas, não eram confiáveis. E que nunca saberias o quanto de fato estiveste mal sem uma passagem pelos escaninhos do Facebook. E descobrirás, então, que só estás vivo por muita sorte!
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Palavra de médico
J.J. Camargo: a algazarra dos urubus
Colunista escreve em todas as edições do caderno Vida
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