Profissionais da ortopedia focados na saúde da coluna vertebral têm percebido que o perfil de seus pacientes tem se diversificado nos últimos anos, passando a incluir pessoas cada vez mais jovens. São crianças, adolescentes e adultos jovens, entre 20 e 40 anos, que já convivem com dores na coluna.
— Entre os adultos é algo que já se tinha, principalmente os que costumam ficar parados muito tempo na mesma posição sem mudar. Adultos que gostam de ler na cama e no sofá, por exemplo, frequentemente aparecem reclamando de dor na coluna — afirma Sérgio Danesi, ortopedista pediátrico do Hospital de Clínicas de Porto Alegre (HCPA). — A grande novidade é que as queixas começaram a aparecer mais cedo, em adolescentes, adultos jovens e em algumas crianças também.
O uso de telas é uma das diversas hipóteses que têm sido analisadas pela ciência para explicar o aparecimento do problema mais precocemente.
A chamada síndrome do pescoço de texto (text neck syndrome, em ingês), termo que ganha popularidade na internet, tenta descrever a relação entre a postura incorreta ao usar o celular, o tablet ou o computador e as contraturas e lesões causadas principalmente na região do pescoço e entre os ombros.
Isso porque, conforme a cabeça é flexionada para frente, a pressão sobre a coluna e suas estruturas aumenta muito, como se a cabeça da pessoa ficasse mais pesada quanto maior o ângulo da flexão.
Fatores de risco
Mas há outras características de comportamento que também contribuem para o aparecimento dos problemas em faixas etárias mais jovens. De acordo com o fundador do Instituto Gaúcho de Cirurgia da Coluna Vertebral (IGCCV) Erasmo Zardo, que é professor da Faculdade de Medicina da PUCRS e doutor em Ortopedia e Traumatologia pela Unifesp, sedentarismo, sobrepeso, falta de condicionamento físico e estresse também são fatores de risco para dores e lesões na coluna vertebral.
Estudo online e teletrabalho também fazem com que os indivíduos fiquem por muitas horas seguidas na posição sentada diante do computador. Isso aumenta o risco de lesões, pois aumenta a pressão nos discos intervertebrais, que atuam como "amortecedor hidráulico" da coluna.
— Há uma inversão das curvaturas da coluna vertebral quando o indivíduo está mal sentado — afirma Zardo. — Observamos cada vez mais jovens com problemas de coluna e sem dúvida nunca passamos tanto tempo mal sentados. Os jovens estão cada vez mais sedentários e mais em domicílio. Na prática diária, é comum percebermos pacientes que, depois da escola, ficam mais seis horas trancadinhos no quarto sobre uma telinha de smartphone, sistematicamente em posições inadequadas.
A grande novidade é que as queixas começaram a aparecer mais cedo, em adolescentes, adultos jovens e em algumas crianças também
SÉRGIO DANESI
Ortopedista pediátrico do Hospital de Clínicas de Porto Alegre
Busca incessante
Boa parte dos problemas de coluna que acometem adolescentes e adultos jovens, segundo o fundador do IGCCV e professor da PUCRS, têm a ver com o fato de que muitas de suas atividades do dia a dia estão mais intensas do que no passado.
Do patinete à motocicleta e ao carro, os transportes estão mais potentes e rápidos, e os esportes, mais dinâmicos e intensos, o que naturalmente represente um risco maior às estruturas do corpo humano.
— A busca incessante por condicionamento físico perfeito e delineamento do corpo expõe as pessoas a um risco muito grande, o que cedo ou tarde vai acarretar algum tipo de lesão — afirma Zardo.
Desconforto na lombar
Não é a regra, mas as lesões graves na coluna podem aparecer cedo, como é o caso de Filipe da Silva Franciskievicz, que teve hérnia de disco na lombar aos 22 anos.
O estudante de engenharia na UFRGS é saudável, não tem sobrepeso e nem histórico de alterações na coluna, mas seu problema começou quando, decidido a fazer de 2024 o ano em que iria "entrar de vez no mundo dos esportes", intensificou os treinos e as cargas na academia sem a supervisão de um profissional. Ele também incluiu na rotina partidas de vôlei e futebol três vezes na semana.
— Principalmente depois do vôlei, eu sentia um desconforto forte na lombar, um choque de dor. Só que eu pensava: “Ah, não é nada, né? Vou tomar um Torsilax e vou ficar bem". E eu de fato ficava — afirma o morador de Alvorada, na Região Metropolitana.
Os remédios deram conta da situação por alguns meses, mas estavam apenas mascarando o problema, como constataram os médicos mais tarde. O quadro se agravou em agosto do ano passado, quando Filipe percebeu que não estava conseguindo empurrar a perna direita para frente:
— Eu fazia força e ela não ia, aí tomei um susto. Quando fui ao médico com meu pai, lembro que um deles falou: "Pode ser uma hérnia de disco, mas com essa idade é muito difícil que seja isso".
Cirurgia emergencial
Uma ressonância magnética constatou a hérnia de disco, em tamanho grande e pressionando o nervo ciático da perna direita. Na esperança que a estrutura danificada desinchasse, Filipe fez sessões de acupuntura, fisioterapia, tomou medicações analgésicas e relaxantes musculares.
A dor nunca foi embora, e o estudante, antes plenamente ativo, passou a mancar, arrastar a perna e a não conseguir encontrar posição confortável para se sentar ou dormir. Como subir as escadas de casa ficou quase impossível, abandonou seu quarto no segundo andar e passou a dormir na sala.
— Eu estava muito nervoso porque era uma dor muito forte, algo que nunca tinha sentido. Era como se os choques que eu sentia às vezes na lombar tivessem se tornado constantes. Eu chorava de dor, a minha qualidade de vida estava horrível — relata o estudante.
O estopim foi quando a perna começou a formigar, sintoma que o encaminhou emergencialmente para uma cirurgia com Zardo. A intervenção cirúrgica foi simples, endoscópica, por vídeo. Quando Filipe conversa com a reportagem cerca de 20 dias após a operação, já caminha normalmente.
— Uma coisa que eu queria muito e consegui fazer é voltar a subir e descer escada. É um sentimento de alívio muito grande porque era todo dia com dor constante, e se acostumar com dor é a pior coisa que tem — conclui.
Eu estava muito nervoso porque era uma dor muito forte, algo que nunca tinha sentido
FILIPE DA SILVA FRANCISKIEVICZ
Estudante que teve hérnia de disco na lombar aos 22 anos
Prevenção e tratamento
Eliminar os principais fatores de risco é o passo número um para prevenir as dores na coluna. Isso quer dizer ter um grande cuidado com a postura, evitar longos períodos sentado, se exercitar e fugir do sedentarismo e do sobrepeso.
É essencial um condicionamento físico adequado até para suportar o estresse que permanecer de seis a oito horas sentado representa para a coluna.
— O desenvolvimento de consciência postural também é importante e se conquista com técnicas de RPG, pilates, fisioterapia, osteopatia, pausas regulares — afirma Zardo. — Rotatividade nas tarefas também deve fazer parte da nossa rotina no estudo e no trabalho. Se você fica a maior parte do tempo sentado em frente ao computador, faça pausas, levante, dê uma caminhada, troque de tarefa por um tempo.
Trabalho multidisciplinar
O cirurgião de coluna vertebral Marcus Ziegler é colega de Zardo e outros cinco ortopedistas e neurologistas no Instituto Gaúcho de Cirurgia da Coluna Vertebral, que completa 20 anos em 2025.
Segundo Ziegler, a filosofia essencial para o bem-estar de quem tem dores na coluna é trabalhar de forma multidisciplinar e conservadora: médicos em conjunto com fisioterapeutas, profissionais de educação física, nutricionistas, quiropraxistas e osteopatas.
Além disso, é importante valorizar as queixas de dores na coluna, já que conviver desnecessariamente com esse incômodo pode deixar a pessoa cada vez mais isolada, sedentária e propensa a problemas.
— É realmente uma bola de neve. Quanto menos exercícios a pessoa faz, mais dor vai ter. E, por outro lado, quanto mais tempo ela passa se movimentando, naturalmente reduz seu tempo de telas, más posturas e de outras coisas que a estão prejudicando — afirma Ziegler. — Falamos muito na questão multidisciplinar porque muitas vezes o contato do paciente com a gente é uma vez por mês ou uma vez a cada seis meses, enquanto com outros profissionais é mais frequente. Tendo essa interação com profissionais qualificados e que consigam identificar alterações, fica mais fácil ajudar esses pacientes.
Arsenal de possibilidades
Quase 100% das dos casos de crianças e adolescentes são resolvidos sem cirurgia, afirma Zardo, a não ser que haja alguma alteração biomecânica, como uma hérnia, por exemplo.
Para quem está com dor, há um arsenal de possibilidades a serem exploradas antes de partir para uma intervenção cirúrgica, começando com uma avaliação criteriosa, já que, especialmente entre os mais jovens, há outras patologias que podem acarretar dor na coluna, tais como infecções da orofaringe, tumores ósseos, enxaqueca etc.
A partir daí, fisioterapia, acupuntura, pilates e academia são todas ferramentas que estão no arsenal de tratamento, assim como medicações para quebrar um ciclo de dor e prevenir outras crises. Se necessário, há cirurgias pouco invasivas.
— Hoje, temos recursos focados em ser um empurrão a mais no tratamento de reabilitação, nos exercícios, sem ter que fazer uma intervenção maior, já que o foco do grupo é o tratamento conservador. É possível escolher fazer bloqueios, infiltrações ou cirurgias endoscópicas, por vídeo, as quais retiram somente aquilo que está incomodando. Muitas vezes são procedimentos ambulatoriais, em que a pessoa vai embora no mesmo dia e segue com sua reabilitação no dia seguinte — conclui o médico.