
A teoria de que a felicidade diminui no começo da vida adulta e só volta a subir na terceira idade não é mais consenso. Foi isso que um artigo encomendado pela Organização das Nações Unidas (ONU) mostrou: jovens estão mais infelizes, enquanto os idosos ficam cada vez mais de bem com a vida. Para especialistas, cenário pode estar associado à falta de perspectivas para o futuro.
O estudo analisou respostas de pesquisas feitas com adolescentes e jovens adultos nos Estados Unidos, Reino Unido, Irlanda, Austrália, Canadá e Nova Zelândia, e descobriu que a satisfação com a vida caiu desde meados 2010. Segundo os pesquisadores responsáveis, Jean Twenge e David Blanchflower, a curva da felicidade virou.
A felicidade costumava ser vista como um gráfico em U: começava alta na juventude, caía durante a adultez e voltava a subir na velhice, quando a vida tende a ficar mais confortável. "A curva em formato de U da felicidade — com níveis mais baixos na meia-idade — desapareceu nesses países. Agora, a felicidade aumenta de forma relativamente constante com a idade", diz o artigo, publicado em fevereiro deste ano.
— O gráfico em U era uma questão muito consolidada. A fase adulta era marcada por uma estabilidade, mas também por questões de saúde mental mais graves. Era a época em que se tinha mais diagnósticos de transtornos de humor e, atualmente, isso se inverteu. Está na adolescência essa maior incidência — avalia o psicólogo especializado em saúde da criança e do adolescente Luiz Henrique Bezerra.
Redes sociais e falta de perspectiva
O estudo pontua que alguns aspectos culturais podem explicar a mudança na curva da felicidade. "A diminuição da interação social presencial, o aumento do uso das redes sociais e o crescimento da desigualdade de renda" são os fatores citados na publicação.
Para a coordenadora do curso de Psicologia da Feevale, Cláudia Goulart, essa insatisfação também pode estar relacionada com a falta de segurança sobre o futuro:
— Alguns anos atrás, era quase que um ritual pré-estabelecido. Pensando numa adolescência de classe média, o adolescente ia terminar o Ensino Médio e ia para a faculdade. De lá, ia se formar e arrumar um trabalho na área. Em uma classe mais trabalhadora, o adolescente terminava o Ensino Médio e começava a trabalhar. Hoje, eles não têm tanta segurança do que vem adiante. Isso causa sofrimento.
Os especialistas acreditam que, aqui no Brasil, as redes sociais também afetam a satisfação dos jovens com a vida. Goulart e Bezerra defendem que essas plataformas de interação online podem potencializar alguns sofrimentos psíquicos, reforçando os sentimentos de não-pertencimento, por exemplo, que são comuns durante a adolescência.
A tendência, segundo o psicólogo especializado em saúde da criança e do adolescente, é que, com o devido apoio — da escola, dos amigos, dos familiares, de profissionais e até mesmo da religião —, esses fatores passem a ser menos impactantes conforme os jovens vão envelhecendo.
— Espera-se que a pessoa consiga lidar melhor com essas questões, a partir das referências que ela vai construindo durante a vida. Mas quando o adolescente não consegue lidar com essa frustração, ele entra na vida adulta e as frustrações normais dessa fase ficam muito grandes. Eles não têm recursos de enfrentamento para lidar com essas situações — acrescenta Bezerra.
Como resolver?
No artigo, os pesquisadores referem-se à situação como "crise no bem-estar dos jovens". Dado a seriedade do cenário, Cláudia reforça que é importante ajudar os mais novos a encontrar estratégias para lidar com essas angústias:
— Acho que é importante pensarmos também em políticas públicas que sejam voltadas para a juventude e que possam romper, de alguma maneira, com esse ciclo. Vemos todo esse movimento de não uso do celular nas escolas e ouvimos que os jovens estão buscando outras formas de interagir e de se relacionar. Então certamente é possível reverter isso. E, também, criar políticas públicas que deem uma perspectiva para esses jovens, que eles possam se ver no futuro de uma forma mais otimista.