Desde que os medicamentos para tratamento da obesidade se popularizaram no mercado, como o Ozempic, tem crescido o debate sobre a perda de massa muscular que muitas vezes é observada em quem está em tratamento com este remédio ou substâncias semelhantes.
A endocrinologista e metabologista Paula Jaskulski explica que, em qualquer estratégia utilizada para perder peso de forma mais intensa, é esperada alguma perda de músculos. Porém, é algo que pode acontecer de maneira excessiva em qualquer estratégia que não faça um bom ajuste na dieta, como cirurgia bariátrica, dietas restritivas demais e também com uso de medicamentos.
No caso das medicações chamadas análogas de GLP-1 — grupo de medicamentos que inclui a semaglutida, que é a substância de Ozempic e Wegovy, e a liraglutida, substância do Saxenda —, essa perda costuma ocorrer principalmente quando se faz uso do medicamento sem acompanhamento médico e sem assumir um estilo de vida que combina alimentação equilibrada e exercício de força.
— Como um dos mecanismos dos análogos de GLP-1 é o aumento da saciedade e o retardo do esvaziamento gástrico, o que muitas pessoas que não estão tendo suporte médico e nutricional começam a fazer é retirar nutrientes importantes da dieta, focando apenas no déficit calórico. A composição da dieta fica ruim, gerando perda de massa muscular ao invés da perda de gordura, que é o desejado — explica a endocrinologista.
O que mostram estudos sobre o assunto
De acordo com o estudo STEP 1, que analisou o uso de semaglutida em quase 2 mil participantes, há perda de massa magra durante o tratamento, mas comparando os valores de base do paciente antes e depois do fazer o tratamento, vê-se que há um aumento da proporção de massa magra.
— Ou seja, a pessoa perde massa magra em quantidade, algo que se dá pela própria perda de peso, mas há um aumento da proporção de massa magra. A pessoa perde muito mais gordura do que massa magra — conta Paula.
A médica salienta, no entanto, que os participantes deste estudo contaram com suporte nutricional e de educador físico. Portanto, eles estavam efetivamente mudando o seu estilo de vida em conjunto com o uso do remédio:
— Se a pessoa não priorizar a boa composição da dieta e o exercício físico, aí sim vai haver uma perda de massa magra muito intensa, o que não é nada bom. Muitas vezes acontece de quem está usando o medicamento priorizar coisas mais palatáveis – comer só o que gosta ao invés de melhorar sua dieta – e, aí sim, há uma perda de massa muscular bem considerável.
Outro alerta é que perdendo massa muscular, o indivíduo também sai perdendo em quesitos estéticos, de funcionalidade e de metabolismo do organismo. Ter mais massa muscular proporciona mais força e reduz o risco de quedas, observa Paula, algo que principalmente em idosos é um problema grave, pois piora sua qualidade de vida, sendo uma causa de mortalidade.
Como preservar a massa muscular
A estratégia para preservar massa muscular, de acordo com a endocrinologista, é focar sempre na alimentação equilibrada e nas atividades físicas, principalmente nos exercícios de força – e, no mundo ideal, fazer tudo isso acompanhado de uma equipe multidisciplinar composta por nutricionista, endocrinologista e educador físico. Em termos de alimentação, é essencial ter um bom consumo de proteína:
— Alguns estudos mostram que um leve aumento da ingestão de proteínas, por exemplo de 0,8g por quilo de peso para 1g por quilo de peso da pessoa, já há uma melhor preservação de massa muscular. Mas o ideal a se fazer, num contexto de grande perda de peso, é consumir em torno de 1,5g de proteína por quilo de peso por dia.
Desafios
Se o uso de medicamentos análogos de GLP-1 for bem orientado, com mudança de estilo de vida, é possível que o indivíduo não tenha um impacto significativo na massa muscular, mas o grande desafio é que geralmente tais medicamentos fazem com que o usuário só consiga comer porções bem pequenas de comida a cada vez, especialmente no início do tratamento. Tendo isso em vista, uma das soluções é fracionar a dieta ao longo do dia e se organizar para incluir proteínas em todas as refeições.
— Muitas vezes os usuários de Ozempic não toleram grandes quantidades de alimentos, por isso é necessário fracionar as refeições e buscar incluir proteínas em todas as refeições. É interessante haver de 20g a 40g de proteínas em cada refeição para conseguir maximizar o uso dessa proteína para síntese muscular.
Também é indicado priorizar proteínas magras, pois quem faz tratamento com análogos de GLP-1 não costuma tolerar bem alimentos com muita gordura, sentindo náuseas ao ingeri-los por conta do retardo do esvaziamento gástrico provocado pelo medicamento. Alguns exemplos de proteínas magras são peixe, frango, iogurtes com proteína, ovo, queijos brancos, tofu, lentilha, feijão e proteína de soja.
— Em alguns casos entra muito bem, num lanche intermediário, a suplementação com Whey, principalmente para quem não está conseguindo comer muitos alimentos sólidos ricos em proteínas — detalha.
Já no quesito atividade física, a recomendação é que algum exercício de força seja feito pelo menos duas a três vezes na semana, lembrando que, para quem não curte musculação, há outras opções:
— Pode fazer pilates com aparelhos, exercícios com pesos livres, com o peso do próprio corpo, eles são considerados exercícios de força. Os exercícios aeróbicos também são importantes, mas não precisam ser feitos de forma tão intensa, e sim moderada. Associar aeróbicos e treinos de força é o melhor dos cenários e ajuda a manter o peso depois do emagrecimento — cita a médica.
Uma boa novidade
A ciência já está em busca de medicações que propiciam combate à obesidade ao mesmo tempo em que ativam mecanismos que preservariam a massa muscular. É o caso de um estudo que está em andamento no laboratório Altimmune, o qual está tentando desenvolver uma nova medicação chamada Pemvidutida, ainda não aprovada para uso.
Enquanto isso ainda não ocorre, vale lembrar que medicamentos como o Ozempic estão aprovados no Brasil para o uso em pessoas com obesidade, com sobrepeso e com alguma comorbidade e pessoas com diabetes tipo 2. A endocrinologista ressalta que para quem quer perder pouca gordura, eles não são indicados:
— Não é para pessoas que queiram perder de dois a três quilos, porque essa pessoa provavelmente vai perder mais massa muscular do que quem tem indicação, pois fará um déficit calórico muito intenso e talvez não consiga consumir o que deveria. Ela não tem tanta gordura para perder, e aí vai acabar perdendo massa muscular. Para essas pessoas, é muito melhor fazer um ajuste da dieta, até para não criar uma dependência do uso para pessoas que não precisam — enfatiza.