O eterno campeão peso pesado, José Adilson Rodrigues dos Santos, o Maguila, morreu nesta quinta-feira (24), aos 66 anos. Ele sofria de encefalopatia traumática crônica (ETC), também conhecida como "demência do pugilista", uma doença incurável.
Maguila teve o diagnóstico antes de completar 50 anos. Contudo, antes disso, um erro médico resultou no tratamento de Alzheimer até 2015. Depois começou o tratamento específico para a ETC.
A encefalopatia traumática crônica é uma doença neurodegenerativa provocada ou desencadeada por repetidos traumatismos na cabeça ou no crânio. Além de Maguila, o boxeador Éder Jofre e o estadunidense Muhammad Ali a desenvolveram ao longo de suas carreiras.
No entanto, não são apenas os lutadores que podem desenvolver esse tipo de encefalopatia, cujos sintomas podem ser confundidos com outros tipos de doenças cerebrais.
Especialistas acreditam que a encefalopatia traumática crônica seja causada pela exposição repetitiva ao traumatismo de crânio, como uma pancada, um golpe ou uma sacudida violenta na cabeça, que ocasiona movimento brusco do cérebro dentro da caixa craniana.
— Esse tipo de movimento súbito de aceleração e desaceleração pode provocar estiramento das fibras nervosas, romper pequenos vasos e causar pequenas lesões no tecido cerebral. Esses traumatismos são mais evidentes na chamada concussão cerebral, quando, logo após o trauma, o paciente fica meio confuso, desorientado ou perde os sentidos por alguns segundos — afirma Vitor Tumas, médico, professor e pesquisador Vitor Tumas, da Faculdade de Medicina de Ribeirão Preto (FMRP) da USP, especialista na área de Neurologia.
Os repetitivos traumas, segundo Tumas, também especialista nas áreas de Transtornos do Movimento e Neurologia Comportamental, vão provocando um acúmulo de alterações que desencadeiam um processo inflamatório. A partir de um certo ponto, isso começa a provocar a deposição de diversas proteínas anormais no cérebro, sendo a principal a TAU fosforilada. Esse processo, a longo prazo, se torna irreversível e progressivo.
Sintomas, relações com outras doenças cerebrais e diagnóstico
Os sintomas gerais provocados pela demência do pugilista são tonturas e dores de cabeça crônicas. O paciente também pode desenvolver sintomas mentais como perda de memória e dificuldade de raciocínio, além de problemas motores como lentidão, rigidez dos músculos, alterações na fala e desequilíbrio.
Segundo o especialista, as características principais são alterações comportamentais de depressão, ansiedade, agressividade, impulsividade e até paranoia.
— Os sintomas da doença podem imitar muito as doenças psiquiátricas, como o Alzheimer, em várias fases do acometimento, e os pacientes têm uma tendência muito forte ao suicídio. Esses sintomas começam leves e vão evoluindo progressivamente e o paciente vai ficando cada vez mais comprometido e dependente — explica.
Conforme o professor, ainda não existem exames que confirmem o diagnóstico durante a vida do paciente. A confirmação é totalmente baseada na suspeita clínica e no histórico de traumatismo de crânio repetitivo.
— Geralmente, a doença costuma afetar adultos e idosos, com início dos sintomas ainda na fase adulta. Existem alguns casos também de jovens que desenvolveram a doença. A frequência ainda não é bem estabelecida, e depende do diagnóstico por autópsia — relata o professor.
Sintomas e tratamento da ETC
A prevenção é a melhor possibilidade para evitar complicações pela doença, que não tem cura. Quem pratica esportes de risco como lutas, rugby, futebol e futebol americano deve ter atenção a esse problema e ser orientado a tentar reduzir o impacto desses traumas.
Um fator de alerta é que há mais risco para desenvolver a ETC se o intervalo entre um traumatismo e outro for muito curto, por exemplo, quando um jogador de futebol bate a cabeça, continua jogando e tem outro traumatismo no mesmo jogo.
— Por isso hoje há uma recomendação para que sempre que algum jogador tenha um trauma na cabeça, mesmo que seja aparentemente discreto, ele precisa de atendimento imediato. Caso haja uma concussão nítida, ele deve sair do jogo para evitar um novo trauma em curto espaço de tempo — exemplifica.
Conforme o médico, é importante que familiares, ou o próprio paciente que desenvolve sintomas característicos desse tipo de encefalopatia, procurem um médico e citem que foi exposto aos traumatismos de crânio durante algum período da vida. A doença ainda não tem um tratamento específico ou maneiras de bloquear sua progressão. Portanto, a intervenção é na tentativa de amenizar os sintomas.
Na fase inicial, o controle com medicamentos é mais fácil, segundo o professor. Já as fases avançadas são caracterizadas por um quadro de demência mais difícil de ser contido.
— O mais importante é prevenir o problema, até porque não sabemos qual é o ponto de conversão, de virada, de quando aquele número de traumatismos se transforma num quadro definitivo — finaliza Tumas.