Um soro produzido por pesquisadores da Universidade Federal de Pelotas (UFPel) a partir de cavalos pode ser a nova arma da ciência para enfrentar o coronavírus. A pesquisa do Programa de Pós-Graduação em Veterinária iniciada em abril conseguiu desenvolver anticorpos em equinos, ao injetar nos animais partículas da proteína do vírus desativado.
A chamada partícula recombinante, usada pelos pesquisadores, faz a mediação da entrada do coronavírus na célula hospedeira e é uma das mais eficientes em despertar a reação do organismo e gerar anticorpos. Possibilita melhor resposta do que experimentos feitos com o vírus inteiro inativado, que podem gerar pouca ou nenhuma resposta do sistema imunológico.
— A pesquisa inseriu esses materiais de forma controlada nos cavalos e observou que o seu organismo aprendeu a impedir que o coronavírus se multiplicasse utilizando o material genético das células — explica o professor da Pós-graduação em Veterinária da UFPel Carlos Eduardo Nogueira, doutor em medicina veterinária e um dos coordenadores do estudo.
Posteriormente, os estudiosos extraíram o sangue dos cavalos e processaram um soro (a parte líquida do material orgânico, que pode ser usada para produzir medicamentos). Esse soro foi colocado em contato com o coronavírus ativo em laboratório e se verificou que o agressor não conseguiu se espalhar pelas células – ou seja, cientificamente falando, foi neutralizado. A etapa seguinte foi analisar a segurança da substância em outras espécies.
— Aplicamos esse soro em cobaias, como ratos e ovelhas, e elas não apresentaram reações adversas. O próximo passo será testar em coelhos, que podem ser mais suscetíveis à febre — detalha Nogueira. — Em seguida, poderemos testar em humanos.
O experimento será cadastrado nos próximos dias na Plataforma Brasil, que centraliza o controle das autoridades sanitárias brasileiras, para que seja emitida autorização de testes em pessoas. Se receber sinal verde, nas próximas semanas a universidade deverá chamar 20 voluntários para avaliar a segurança da aplicação.
— No momento, a corrida dos grandes laboratórios mundiais é pelas vacinas, mas há um campo de pesquisa e desenvolvimento em aberto para medicamentos. E é aí que estamos avançando — explica Nogueira.
Medicamento pode ser usado para tratar doença em estágio inicial
O potencial do soro está em tratar a doença no estágio inicial, afirma Nogueira. Ele estima que em um prazo de 60 dias o soro poderá ser experimentado em hospitais e clínicas para o tratamento de pacientes infectados com a covid-19. A produção em larga escala do remédio, entretanto, depende da transferência da tecnologia a uma fabricante, já que não cabe à universidade a industrialização. No momento, diz o pesquisador, ainda não foram iniciadas tratativas para essa produção em escala comercial.
— O que mais temos no momento é produtor rural oferecendo cavalos para produzir o soro — brinca o pesquisador.
O novo coronavírus não adoenta equinos, ao contrário do que ocorre nos seres humanos e, em frequência bem menor, cães e gatos – a ciência ainda investiga o índice de contaminação em pets. A opção de fazer o experimento com cavalos, além de não expor os animais ao risco, replica uma técnica já adotada há séculos por pesquisadores. É a partir do soro obtido do sangue do cavalo, por exemplo, que a ciência elaborou antídoto contra tétano, raiva e veneno de animais peçonhentos.
— O cavalo é um animal forte, que tem um sistema imune importante e é capaz de produzir uma quantidade grande de anticorpos e soro — explica Nogueira.
Ele garante que os animais não foram expostos ao risco de se infectar ou reproduzir a doença nem sofreram durante as experiências. Conforme o especialista, o trabalho está de acordo com as recomendações do Conselho Nacional de Experimentação Animal (Concea) e foi aprovado pelo Comitê de Experimentação Animal da UFPel.
Nogueira lidera o estudo ao lado do colega Fábio Leivas Leite, professor da Faculdade de Veterinária e da Pós-graduação em Veterinária e Biotecnologia na UFPel. Além da universidade pelotense, participam do estudo universitários e pesquisadores da Universidade Federal do Rio Grande (Furg), Universidade Federal de Santa Maria (UFSM), Universidade de São Paulo (USP) e Feevale, de Novo Hamburgo.