Desde que começamos a estudar biologia na escola, aprendemos como funciona o sistema reprodutor dos mamíferos. No entanto, há quem questione a regra de que somente sexos opostos podem reproduzir. É o que demonstra uma pesquisa realizada pela Academia Chinesa de Ciências, que, por meio de manipulação genética, conseguiu com que camundongos do mesmo sexo tivessem filhos.
No caso dos descendentes de ratos fêmeas, os filhotes nasceram saudáveis, com resultados semelhantes aos dos que nascem de casais que se reproduzem de maneira natural. Já quando o método foi realizado com os machos, as crias nasceram debilitadas e todos morreram em dois dias. A pesquisa foi publicada na edição de quinta-feira (11) da revista Cell Stem Cell, que é mensalmente publicada e especializada em estudos com células-tronco.
O coordenador do trabalho e professor do Instituto de Zoologia da Academia Chinesa de Ciências, Qi Zhou, conta que o experimento surgiu de uma dúvida que causava certa inquietação: por que os mamíferos só podem se reproduzir por meio de via sexuada?
Reprodução sexuada é um processo que depende de duas células reprodutoras especializadas, os gametas. No caso dos animais, se trata do óvulo – fornecido pela mulher – e o espermatozoide – que provem do homem.
Tanto a feminina quanto a masculina são células haploides, ou seja, contêm metade do número de cromossomos da espécie. Quando os núcleos dos dois gametas se fundem, é formada a célula ovo, ou zigoto, como também é conhecida. E é nesse processo que acontece a vida, divisões sucessivas formam um novo indivíduo.
Sendo assim, os cientistas chineses decidiram utilizar as células-tronco e a manipulação genética para desenvolver ninhadas de camundongos provenientes de pais do mesmo sexo. Pelo menos no caso de descendentes de duas mães, a experiência deu certo.
Outras tentativas
Esta não é a primeira vez que especialistas em genética tentam fazer com que espécies do mesmo sexo se reproduzam. A própria equipe de Qi Zhou já havia conseguido o feito. Porém, esta é a primeira vez que os filhotes nasceram saudáveis.
Para os cientistas, o segredo do sucesso da experiência foi a origem do material genético. Em testes anteriores, o nascimento de filhotes vindos de duas fêmeas foi resultado da extração de óvulos imaturos. Existe um fenômeno natural chamado imprint genômico, que era o que causava a dificuldade. Normalmente, células somáticas carregam dois genomas, o do pai e o da mãe. Cada um deles tem dois alelos: um carrega as informações herdadas da mãe e o outro as herdadas do pai. Então, o chamado imprint genômico ocorre quando certos genes são expressos por apenas um dos alelos, com a eliminação das informações do outro.
Por conta deste fenômeno, quando os cientistas fundiam as células de óvulos imaturos com células de óvulos em uma fêmea adulta normal, com o tempo, os filhotes passavam a apresentar anormalidades, se não morriam logo ao nascer, viviam por pouco tempo.
O problema foi resolvido quando os cientistas utilizaram células-tronco embrionárias. As haploides, como os espermatozoides e os óvulos, ou seja, com apenas metade dos cromossomos de uma célula somática. Manipular a genética ainda proporcionou mais uma ajuda: a equipe de Qi Zhou excluiu três regiões de imprint, reduzindo a chance de problemas.
Neste teste, as células-tronco embrionárias femininas foram implantadas em óvulos de fêmeas em idade reprodutiva. Com isso, deram origem a 210 embriões, que resultaram em uma ninhada de 29 camundongos que foram observados até a idade adulta. Eles tiveram uma vida normal, saudável e se reproduziram sem algum problema.
Filhos de dois pais
S o processo funcionou quando se tratava de duas fêmeas, o mesmo não pode se dizer da tentativa dos cientistas de obter uma ninhada de camundongos a partir de células de dois machos.
O princípio foi parecido – ou seja, a partir de células-tronco embrionárias haploides. Mas o processo foi mais complexo. Depois de excluírem sete regiões de imprint genômico, as células foram injetadas, junto com esperma de outro camundongo macho, em núcleos que tiveram o material genético feminino removido. Dessa maneira, o embriões continham apenas o DNA genômico de dois machos.
Depois, os embriões foram transferidos com o material placentário para mães substitutas, que realizaram a gestação. Ao todo, 12 filhotes nasceram, mas só sobreviveram por 48 horas. Os autores esperam que, de alguma maneira, possam aprimorar o processo e gerar filhotes de dois pais que consigam viver até a fase adulta.
O processo para outros mamíferos
Os cientistas ainda mencionam no artigo o fato de que há muitos empecilhos para que o método seja introduzido a outros mamíferos. Isso porque os genes problemáticos variam de espécie para espécie, o que pode tornam imprevisível que nasçam descendentes com problemas graves. Mas mesmo assim, a expectativa é grande em torno das possibilidades de levar estas técnicas para outros animais, até que seja possível traze-lo aos seres humanos.