
Neurologista, professor e pesquisador na Universidade de Paris-Sorbonne, Nicolas Villain é referência global em estudos sobre a doença de Alzheimer. O médico esteve em Porto Alegre para participar do Neuroscience Next, encontro promovido pela Alzheimer’s Association, ocorrido em fevereiro, na Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul (PUCRS).
Em entrevista para a reportagem de Zero Hora, o pesquisador francês abordou as novas propostas de diagnóstico e tratamento da doença, seus impactos e perspectivas para os próximos anos. Villain desenvolveu estudos sobre neuroimagem multimodal e mecanismos de desconexão na doença de Alzheimer.
Atualmente, Villain lidera pesquisas sobre vulnerabilidade de redes cerebrais e biomarcadores da doença no Instituto do Cérebro de Paris.
Confira a entrevista:
Quais novas perspectivas suas pesquisas vêm agregando para o diagnóstico do Alzheimer?
A doença de Alzheimer causa degeneração do cérebro, causando a perda da memória. Progressivamente, perdem-se células cerebrais. E também ocorre a acumulação de moléculas anormais no cérebro, que são proteínas, especificamente proteínas TAU e beta-amiloide.
Por meio das pesquisas, desenvolvemos formas de identificar essas proteínas com biomarcadores. Portanto, temos várias opções de diagnóstico. Podemos usar o que chamamos de PET scan, que funciona como um scanner do cérebro. Nesse exame, é injetado um produto especial que mapear a carga de placas beta-amiloide no cérebro.
Outra opção é fazer punção na lombar, que permite analisar o líquido cefalorraquidiano, que pode conter níveis alterados de proteínas beta-amiloide e TAU. Assim, quando se combinam testes cognitivos, exame clínico e estes biomarcadores, é possível estabelecer um diagnóstico.
É isso que fazemos atualmente. Por isso, até agora, a doença de Alzheimer sempre foi considerada como uma causa de demência, causa de algo que terá impactos pelo resto da vida.
E em relação ao tratamento, o que deve impactar nesse sentido nos próximos anos?
Há boas notícias. Há décadas, usamos pequenas moléculas que podem melhorar uma parte dos sintomas da doença, que têm nomes diferentes, como rivastigmina, memantina, donezepil, galantamina. Elas funcionam um pouco, mas não alteram o histórico natural da doença.
Agora, temos novos medicamentos que são muito mais complexos, que são anticorpos. Concebemos anticorpos que combatem estas moléculas que se acumulam no cérebro, especificamente a proteína beta-amiloide.
É feita uma infusão uma ou duas vezes por mês, e depois temos estes anticorpos que limpam estas moléculas anormais do cérebro. Para isso, funciona muito bem. A questão é: será que também funciona nos sintomas?
O paciente nem sempre responde a isso. Sob a perspectiva clínica, nem sempre funciona. Portanto, é um começo, mas não é capaz de parar a doença. É um primeiro passo e é muito promissor. O problema é que, atualmente, tem efeitos colaterais do tratamento, como hemorragia cerebral. De 10% a 20% dos indivíduos que são tratados têm este efeito.
Então, é necessário monitorar o tratamento através de ressonância magnética. Por enquanto, não é um tratamento para todos e não é um medicamento milagroso. Deve ser utilizado em pacientes com baixo risco de inchaço ou hemorragia cerebral.

No Brasil, esse tipo de tratamento ainda não é comum. Quais efeitos a popularização da terapia antiamiloide deve trazer?
A imunoterapia antiamiloide vai mudar completamente o panorama do diagnóstico da doença de Alzheimer, porque vamos ter de rastrear muito mais pessoas. Teremos de utilizar biomarcadores sanguíneos para facilitar o rastreio e teremos, finalmente, algo a propor aos pacientes com Alzheimer.
Por exemplo, na França, temos um grande subdiagnóstico. Muitas pessoas não são diagnosticadas porque os clínicos gerais costumam dizer “o que muda se eu diagnosticar a doença de Alzheimer?”. Agora que temos potencialmente alguns anticorpos que podem limpar estas proteínas do cérebro, temos um novo desafio.
Vamos ter que nos adaptar a muito mais diagnósticos. Vamos precisar de mais médicos. Vamos precisar de mais formação e mais acesso a instalações para garantir que estes diagnósticos aconteçam.
NICOLAS VILLAIN
Temos de pensar “ok, se eu diagnosticar, posso ter um tratamento”. Não é para todo mundo, mas já é alguma coisa. Por isso, muitas pessoas vão querer ter um diagnóstico agora. Haverá uma necessidade de diagnóstico. Portanto, vamos ter que nos adaptar a muito mais diagnósticos. Vamos precisar de mais médicos. Vamos precisar de mais formação e mais acesso a instalações para garantir que estes diagnósticos aconteçam.
Uma de suas descobertas foram os chamados mecanismos de desconexão na doença de Alzheimer. O que é isso?
Essa questão está mais ligada ao campo de pesquisa na neurociência sobre Alzheimer, e menos ao meu trabalho clínico. O Alzheimer é uma doença complexa. Precisamos acrescentar um pouco de matemática para misturar todos os dados e evitar ruídos.
Foi nisso que trabalhei no início da minha carreira, na mistura de técnicas de diagnóstico. Mostramos, por exemplo, que o Alzheimer não atinge todo o cérebro ao mesmo tempo, e nem na mesma intensidade, mas sim partes do cérebro. Quando olhamos, por exemplo, para o volume do cérebro, é mais fortemente afetada a região que chamamos de hipocampo.
Mas quando olhamos para a forma como o nosso cérebro funciona, é outra região, o lobo parietal. Queríamos entender por que isso acontece. Constatamos que isso se deve a um mecanismo de desconexão, porque as células cerebrais têm conexões importantes.
Quando as células morrem no hipocampo, perde-se o sinal que está no exterior, que está enviando uma ligação importante para o lobo parietal. É a isso que chamamos desconexão. Essa é uma das coisas que produzi no campo de neuroimagem multimodal, misturando e mostrando que há, de fato, uma relação entre os dois, e que isso se deve à desconexão.
O Alzheimer é a principal causa de casos de demência. A demência é um declínio lento das funções cognitivas, como as funções mentais, que ocorre, de um modo geral, com a idade.
NICOLAS VILLAIN
Recentemente, foi aprovado nos Estados Unidos o donanemab (ou Kisunla), medicamento que retarda a progressão do Alzheimer. Quais outros estão em desenvolvimento e seus impactos?
Tem o Kisunla e o Leqembi, que contém a substância ativa lecanemab. São duas drogas gêmeas, digamos, têm quase o mesmo efeito, de limpar as proteínas anormais do cérebro. A diferença entre eles é que, para o Leqembi, é necessária uma infusão duas vezes por mês. Já o Kisunla é somente uma vez ao mês.
Por isso, é um pouco mais conveniente, mas eles funcionam da mesma forma e têm os mesmos efeitos colaterais. Na Europa, os medicamentos já foram aprovados, mas ainda estão em andamento etapas burocráticas da aprovação na França, por exemplo. Ainda estamos em meio a esse processo.
Por que é tão difícil encontrar uma cura para a doença? Por que você diz que é uma doença tão complexa?
O Alzheimer é a principal causa de casos de demência. A demência é um declínio lento das funções cognitivas, como as funções mentais, que ocorre, de um modo geral, com a idade. A doença de Alzheimer representa cerca de dois terços deste declínio cognitivo. Por isso, é um problema muito grande.
É uma grande questão de saúde pública. Depois, tem a questão do diagnóstico da doença. Inicialmente, o paciente vai à consulta e relata que tem perdas de memória e perde coisas dentro de casa. Primeiro, temos de distinguir entre várias coisas.
Será uma longa luta. Vai durar décadas, mas, passo a passo, vamos encontrar a cura. Já começamos com a terapia antiamiloide.
NICOLAS VILLAIN
Às vezes, a pessoa já tinha o hábito de perder as coisas e ser “esquecida”. Ou pode ter algum distúrbio de atenção, pode ter ansiedade, há muitas razões para se ter problemas de memória. Por isso, primeiro, o momento muito importante no diagnóstico é verificar se é Alzheimer ou outro problema qualquer. E isso é muito importante, porque outra coisa pode ser curável.
Podemos encontrar um tratamento para outra coisa, enquanto neste momento, pelo menos para o Alzheimer, é muito mais difícil. Então, temos que ter certeza disso. Fazemos isso por meio de testes cognitivos.
Quais são as expectativas da comunidade científica em relação a essa possível cura?
Alzheimer é uma doença complexa, não podemos dar falsas esperanças às pessoas. Será uma longa luta. Vai durar décadas, mas, passo a passo, vamos encontrar a cura. Já começamos com a terapia antiamiloide. Não é perfeita, tem efeitos colaterais. Não é para todo mundo, mas é um primeiro passo.
Depois, vamos melhorar esses tratamentos, e depois vamos combiná-los. Combinaremos tratamentos, antiamiloides com outros alvos, como TAU, inflamação, etc. Teremos múltiplos tratamentos e, pouco a pouco, veremos o prognóstico melhorar lentamente e, talvez, um dia possamos dizer que estabilizaremos completamente a doença. É isso que espero para o resto da minha carreira.
Depois de mim, em futuras gerações, provavelmente, teremos a lutar pela recuperação das funções cognitivas afetadas pelo Alzheimer. Essa será outra luta, porque regenerar o cérebro que está se degenerando é muito difícil. Mas, primeiro, vamos impedir que aconteça essa degeneração.