Terminou nesta segunda-feira (10) o prazo estabelecido pela prefeitura de Porto Alegre para que 57 famílias do bairro Sarandi, na Zona Norte, assinassem o termo que autoriza a demolição das residências. Ainda assim, a maioria seguia nos imóveis sem perspectiva de sair no curto prazo.
Inicialmente, as famílias tinham até 28 de fevereiro para deixar o local, mas o período foi prorrogado. A prefeitura afirma que não haverá nova extensão e salienta que permanecerá em diálogo com os moradores. Sobre a continuidade da obra, o Departamento Municipal de Água e Esgotos (Dmae) garante que nenhuma máquina iniciará o trabalho de derrubada enquanto houver moradores ocupando as casas.
O último balanço, divulgado no domingo (9) pelo Departamento Municipal de Habitação (Demhab), mostrou que apenas 20 famílias concordaram com as demolições. A liberação do terreno é apontada como necessária para o avanço das obras de recuperação e reforço do sistema de proteção contra cheias do local.
Qual a situação das famílias no Sarandi?
Vivendo perto do dique e atingida severamente pela enchente de maio de 2024, a comunidade da Rua Aderbal Rocha de Fraga estendeu faixas nos portões para demonstrar a insatisfação com o processo de transição executado pela prefeitura. "Moradia digna já" e "Nome na lista não é garantia" eram algumas das frases destacadas pela manifestação.
Para concretizar as mudanças, os afetados podem participar do programa Compra Assistida, do governo federal, que adquire uma casa nova no valor de até R$ 200 mil. Há também o Estadia Solidária, programa municipal que oferece o pagamento de R$ 1 mil mensais no prazo de 12 meses ou até o atendimento habitacional definitivo.
As alternativas, no entanto, têm sido alvo de críticas dos beneficiários. Com um cartaz escrito à mão com a frase "Mil reais não sustenta uma casa", a moradora Mariane Friedrich, 34 anos, reclamava que não tem recursos para pagar as garantias necessárias para contratar um aluguel e se mudar com o marido, a filha de nove anos e a sogra.
— A Compra Assistida a gente está tendo um grande problema referente às regras da Caixa e à lentidão, que está sempre sem sistema. Eu estou há 40 dias com a documentação assinada pela imobiliária e a Caixa não olha os documentos nunca. Enquanto isso, me mandam procurar casa para alugar, mas não existe com R$ 1 mil reais. A gente precisa ter caução e de onde que vai tirar dinheiro se a gente perdeu a nossa casa? — questiona Mariane, contando que mora há quase 20 anos no imóvel, que foi inundado pela enchente.
Sobre o caso de Mariane, o Demhab confirma que a documentação está com a Caixa e diz que a moradora "está muito próxima de conseguir o imóvel". A reportagem entrou em contato com o banco, mas ainda não teve retorno.
Escolha de nova residência
Na mesma rua, há situações em que um desfecho está bem distante. A dona de casa Solange Avelhaneda, 44 anos, estava desapontada, mesmo já convencida de deixar a casa.
— Eu fiquei bem apreensiva também, né? Porque eles dão pressão. A gente tem de sair e a gente fica sem saber o que fazer. A gente parece um cachorro sendo enxotado das nossas próprias casas — lamenta.
Solange diz que está esbarrando nas exigências da Caixa para a escolha da nova casa. Já o Demhab diz que ela ainda está dentro do prazo para indicar o imóvel para compra e ainda não indicou.
Conforme a prefeitura, das 57 famílias, 45 tiveram o cadastro aprovado pelo governo federal e estão aptas a participar do Compra Assistida. Deste grupo, apenas 21 encaminharam o pedido de imóvel para a Caixa Econômica Federal.
Processo estagnado
Após ter conversado com a reportagem na última sexta-feira (7) — mostrando que estava com o processo encaminhado para a mudança —, a aposentada Ordalina Silva de Moraes Moreira, 71 anos, estava preocupada na manhã desta segunda-feira. A moradora pensava que estava com a compra assistida de um apartamento avançando, mas diz ter sido informada que o processo não evoluiu.
— A gente assinou a compra e venda e agora fiquei sabendo que não está nada certo — desabafa.
Perguntado se a família optou por assinar o termo para demolição da casa, o marido de Ordalina, José Adir Pereira Moreira, 66 anos, ficou em dúvida.
— A gente, com a cabeça pesada, assinou. Eu nem me lembro — admite.
A prefeitura não confirmou se o casal está entre os 20 que concordaram com a derrubada, mas afirmou que o cadastro da família ainda está com documentos a serem recebidos para encaminhar a nova moradia. Os dois contam que estão recebendo o auxílio mensal e alugaram um novo espaço para ficar provisoriamente.
Ao longo da manhã, um funcionário do Demhab visitava as famílias para dar orientações a respeito da assinatura dos termos. Ele disse à reportagem que todos os moradores ficam com uma cópia dos documentos assinados. Enquanto isso, um grupo de pessoas da região se reuniu em uma igreja na mesma rua para receber assistência jurídica e tirar dúvidas sobre os seus direitos.